João Carvalho é ainda jovem, mas tem já um percurso académico e profissional consistente na área da Biologia, que começou a estudar em Aveiro, terminando o curso em 2010. Realizou estágio na extinta AFN (Autoridade Florestal Nacional), no Parque Natural de Montesinho.
Consciente de que a investigação é cada vez mais multidisciplinar, decidiu tirar uma pós-graduação em Sistemas de Informação Geográfica e Ordenamento do Território, seguido de mestrado em Ecologia Aplicada na Universidade de Aveiro. Em 2014, iniciou o doutoramento, que terminou em 2019. Pelo meio, encontram-se ainda as experiências como monitor no Porto e professor universitário, na mesma cidade, mas também em Moçambique. Encontra-se agora com um contrato de 5 ano como investigador.
Conheça melhor este jovem promissor na entrevista que concedeu a O Louzadense.
Nos próximos anos, irá dedicar-se à investigação?
Fui professor assistente convidado no Porto e, depois, voltei para Aveiro. Fiz um contrato como investigador, que vou iniciar em setembro, por 5 anos, depois de algum tempo a saltitar, sempre ligado à biologia estatística, aos sistemas de informação geográfica, à gestão e conservação dos recursos silvestres. Fui procurando coisas distintas, complementares. A ciência é isso mesmo, é colaboração, aproveitando estas oportunidades que vão surgindo no nosso caminho.
Para um homem que gosta de estar no terreno, de ver a fauna a flora, como foi a adaptação à Covid19, enquanto professor?
Temos de ter uma capacidade de adaptação grande. Não custou muito. Na verdade, foi natural. O curso de Biologia exigiu uma série de adaptações e foi mais difícil para os alunos do ensino básico e secundário. No ensino universitário, é diferente. Os alunos, adaptaram-se bem. Tentei dinamizar um bocadinho, mas há disciplinas, como biologia de campo, que tiveram de ser canceladas. Muitas vezes, com 120 alunos, íamos para diferentes áreas, como Serra de Lousã, Berlengas, entre outras. Tivemos de adaptar esse método de ensino. O ensino de laboratório também teve de ser adaptado. Tivemos de chegar aos alunos de outras formas. Digitalmente, é mais difícil motivá-los. Mas correu bem. A investigação é mais difícil que em outras áreas.
Como vê o trabalho do cientista em Portugal?
A precariedade é um dos problemas que leva muitos cientistas a irem para fora. Por acaso, vou fazer um contrato de cinco anos como investigador, mas passados cinco anos não sei o que o futuro me reserva. Regra geral, não há essa segurança. Eu acabei o doutoramento no ano passado. Acaba a bolsa de doutoramento, o doutorado entra no mercado, tem que se virar por ele próprio para ter autofinanciamento e encetar as suas investigações.
Quando saímos do doutoramento, procuramos os nossos nichos. A multidisciplinaridade é importante, essa capacidade de trabalhar em equipa e colaborar é importante. Temos de ter em conta que dependemos muito de nós. Há muitas bolsas a abrir, mas a precariedade ainda está lá. Temos de colaborar e ir buscar financiamento, para nos autossustentarmos, pois a parte curricular é muito importante. Isso dos cientistas loucos, com alguma excentricidade, que estamos habituados e conhecemos do Iluminismo… É muito importante manter essa excentricidade, mas ser também muito objetivo. Podemos ter uma ideia muito boa, mas temos de a concretizar, pois a nossa avaliação tem de ser feita curricularmente. Temos de desenvolver projetos para angariar dinheiro para as nossas instituições, produzir artigos científicos… A ciência não é só para ficar numa estante, é também para dar conhecimento.
A obsessão pela produção dos artigos pode deturpar o trabalho do investigador?
Há uma pressão muito grande para publicar. Muitas vezes, um ano ou dois mais de dados poderiam consubstanciar e dar outra força às conclusões, mas a pressão é tão grande que nós temos de apresentar conclusões. Há casos a serem analisados de investigações menos lícitas, mas a pressão é demasiadamente grande, e temos de ter a noção de que vamos levar muitos murros no estômago, mas temos de saber lidar com a frustração. Muitas vezes, apresentamos um trabalho que é avaliado por outros investigadores e muitas vezes somos cortados de cima a baixo.
A ciência é o refinamento da razão. A ciência é mutável, não é dogmática. Temos hipóteses que estão constantemente a ser corroboradas ou refutadas, mas temos de estar preparados.
Esses “murros no estômago” são todos convictos por parte de quem os dá?
No processo de revisão, confesso que têm sido bastantes justos comigo. Têm contribuído bastante para a qualidade do trabalho que vamos publicando. Tenho colegas que se queixam do tratamento. Eu tenho tido sorte com os revisores que apanho, com os comentários que têm feito ao trabalho que vamos desenvolvendo. Os trabalhos que tenho feito são sempre trabalhos em equipa. Tem sido assim. Por isso, eu falo em “nós” e não no “eu”, porque o trabalho é de equipa.
Temos reparado que a fundação Manuel dos Santos se esmera por divulgar a ciência. A ciência em Portugal está no bom caminho?
Ainda é preciso dar muitos passos na ciência em Portugal. Ainda há muita precariedade na ciência. É preciso também desmistificar questões relacionadas com a ciência. É importante aproximar a ciência da sociedade, mostrar a importância da ciência nas empresas e para as pessoas. A questão das notícias e do jornalismo também é importante, ou seja, a forma como o jornalista divulga a ciência.
Pode parecer um capricho gastarem milhões e milhões para descobrir uma particulazinha, mas a verdade é que não é capricho nenhum. Toda a informação e a tecnologia que se gerou para lá chegar tem tanta empregabilidade na medicina, nas engenharias, etc. Se chegarmos ao fim e virmos bem, toda a aplicabilidade já justifica o investimento. O estudo não é o fim, mas é todo um caminho que se fez para lá chegar.
A situação da precariedade é preocupante. Temos muitos cientistas a irem lá para fora. Também somos gestores de recursos humanos, ciência não é só estar no laboratório. Comparando com outros países, Portugal não tem uma área em que se destaque, enquanto há outros países que têm áreas de ponta, sendo o investimento em determinada área mesmo muito elevado em detrimento de outras.
Portugal tem um tecido empresarial para acompanhar a massa de cientistas que há em Portugal?
Não podemos colocar o ónus no mundo empresarial. Também temos de analisar o mundo académico, pois tem de pensar em soluções para o mundo empresarial. As universidades devem direcionar as empresas para darem respostas à sociedade e têm de acrescentar algo às empresas. Eu, se fosse empresário, não investiria num doutorado sem que o mesmo trouxesse retorno à empresa. Se queremos aproximar as universidades das empresas, temos de avaliar melhor.
Os nossos cientistas são muito procurados, do ponto vista institucional. Sabendo dessa procura estrangeira, é hora de procurar também parcerias com entidades. Há vários programas, que são importantes. Estamos no ponto em que há muito conhecimento gerado e temos de começar a conectar-nos.
Como é que surgiu a revista LUCANUS?
Faz parte de uma estratégia ambiental já com alguns anos. Creio que começou em 2014, com uma parceria entre a CM de Lousada e a Universidade de Aveiro, que é atualmente a equipa do senhor vereador Manuel Nunes e da Milene Matos, que é a coordenadora técnica da equipa com dez biólogos. Creio que é a câmara com mais biólogos. A câmara tem uma política editorial muito forte, e faltava cobrir uma lacuna, com uma publicação que fizesse esta ponte que já referi, entre a ciência e a sociedade. A revista extravasa os limites concelhios, é uma revista anual, que mostra o que de bom se faz a nível do ambiente. Esta ideia surgiu em 2016. Lembro-me do local onde lhe demos o nome. Inicialmente, era “Lucanus”, revista de ambiente, mas depois ficou “revista do ambiente e sociedade”. É impressa a cores. Temos um site próprio, onde são dados a conhecer alguns trabalhos. Já vamos na quarta edição. Enviamos para todos os municípios, para universidades e a recetividade tem sido boa. Há sempre coisas a melhorar, mas é um processo que tem corrido bem e é para continuar. A quem nos estiver a ler, deixo o convite para contribuir, ler e aprender.
Vivemos um período difícil em todo o mundo, com a Covid19. Como vê o cientista esta biodiversidade?
Quando estamos a fazer previsões, estamos mais a dizer sobre o presente do que do futuro. Há aqui processos que uma pessoa não consegue controlar, são mais cenários do que propriamente soluções. Quem diria que o papel higiénico seria o primeiro bem a esgotar após a pandemia? Ninguém apostaria no papel higiénico.
Nós somos humanos e como humanos somos muito complexos. Fala-se da Covid, do ambiente, da biodiversidade, dos animais… Essa questão dos vírus e bactérias foi importantíssima para a nossa evolução. Como é que um nas invasões da América do Sul um exército tão pequeno conquistou um país daquele tamanho? Ou seja, importaram várias doenças do país europeu e devastaram as populações autóctones. Foi o que aconteceu.
O que é preciso mudar para preservar a biodiversidade?
A descarbonização é importante, mas gradual, passo a passo. O progresso tem os seus custos e, como dizia o outro, não podemos ser ambientalistas simplórios, temos de ser ambientalistas racionais. A questão da biodiversidade é muito interessante.
O trabalho on-line pode ajudar a evitar deslocações…
Há muito trabalho, muitas reuniões, muitas aulas que podem ser dadas on-line. Então, em algumas áreas, o trabalho a partir de casa vai ser privilegiado e isso pode mudar a forma como nos relacionamos. Para falarem uns com os outros, os jovens já usam o WhatsApp.
O contacto pessoal, esse não vamos conseguir mudá-lo, apesar de estarmos muito dependentes das tecnologias. Bastou um pequeno desconfinamento e houve logo festas de adolescentes. A nível profissional, há profissões e reuniões que vão privilegiar esta distância. No geral, o contacto é essencial, somos uma espécie social. Se não trocássemos ideias e se não partilhássemos, nunca seríamos o que somos.
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