por | 13 Ago, 2020 | Freguesias, LivreMENTE

Em «Torno» de Nossa Senhora Aparecida!


Aproxima-se o dia da romaria a Nossa Senhora Aparecida na freguesia do Torno. É um acontecimento que dispensa apresentações, tal é a sua fama dentro e fora do concelho…

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Pedro Magalhães – Professor/ Historiador

Sabe-se que o início desta festa remonta aos princípios do século XIX, assumido progressivamente um valor extraordinário na construção da identidade contemporânea desta comunidade. Desde 1823, altura em que ganhou força a lenda em torno do aparecimento de uma pequena imagem de Nossa Senhora sob o adro da capela de Nossa Senhora da Conceição, a festa foi-se consolidando, ritualizando-se anualmente, em meados do mês de agosto… Este acontecimento passou a marcar a vida da localidade, mas também de todo o Norte do País. Efetivamente, nos dias de romagem, a população da freguesia multiplicava-se com uma forte presença de romeiros, provenientes de várias origens, que aqui afluíam para cumprirem as suas promessas, integrarem as celebrações religiosas e participarem em diversas iniciativas de caráter profano.

Esta festa beneficiou a propensão dos habitantes desta localidade para o comércio, uma vocação que era muito anterior ao desenvolvimento da romagem. Na verdade, a freguesia beneficiava de uma rede viária secular com estabelecimentos comerciais de apoio aos viajantes e de uma feira periódica, cuja referência mais antiga remonta ao ano de 1840, mas que terá uma origem mais remota. O surgimento da romaria a Nossa Senhora Aparecida ampliou as oportunidades de negócio, em particular, nos dias de romagem. De facto, nestes dias, os lojistas apetrechavam-se de bens vendáveis para receberem os forasteiros. Claramente a romaria e o negócio potenciaram-se mutuamente.

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▲ Fig. 2 – Vista parcial a atual Avenida do Santuário, a partir da Capela de Nossa Senhora da Conceição, na primeira metade do século XX.

Na obra «Minho Pitorresco» pode colher-se um dos testemunhos mais antigos conhecidos sobre a romaria. Precisamente no dia 14 de agosto de 1886, José Augusto Vieira (autor) e João de Almeida (ilustrador) deslocaram-se à Aparecida, onde tiveram a oportunidade de observar os preparativos da festa e de conversar com um tendeiro local. O artista, «ao natural», representou a povoação, identificando claramente a capela de Nossa Senhora da Conceição, o alinhamento do casario ao longo da rua Gaspar Guimarães, conhecida localmente como «Calçada», destacando-se à esquerda, em primeiro plano, a reconhecida casa comercial de António Pinto Ferreira de Magalhães, pai de Abílio Pinto Leite de Magalhães. Ao cimo da rua, representou uma estrutura que se assemelha a um grande arco adornado ou, possivelmente, a um dos grandes andores, que ultrapassava largamente a altura da casa de dois andares imediatamente ao lado. Da conversa com o tendeiro da localidade, José Augusto Vieira registou algumas das principais características da romaria, cuja notoriedade era, já nessa época, a grandeza da procissão, dos andores e do fogo. Era por isso que aqui afluía grande número de pessoas nos dias de festa como permitem inferir as referências do tendeiro inquirido. Por um lado, a referência à grande quantidade de vinho vendido nas tabernas e nas tendas, excedendo as 50 pipas, por outro, a alusão às receitas da festa, geridas pela junta de paróquia, que atingiam os 400 mil réis. Devido às enchentes, por vezes, assinalavam-se desordens, lamentando-se a falta de tropa para assegurar a autoridade.

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▲ Fig. 3 – Vista sobre o Largo da Feira, a partir da encosta do Santuário, na primeira metade do século XX.

Na primeira metade do século XX, a organização da romaria mereceu um cuidado especial por parte dos agentes locais, tendo sido o Vida Nova, editado por Abílio de Magalhães, o grande arauto da festa. Efetivamente, o periódico aparecidense, comprometido com o desenvolvimento local, tornou-se um promotor permanente e sistemático deste importante evento. Por exemplo, em 1926, o jornal, ano em que retomou a sua publicação, foi aguçando o gosto pela festa, anunciando pormenores da lenda de Nossa Senhora e dedicando espaço à apresentação do programa festivo desse ano: a feira de gado, as bandas contratadas, os Zés Pereiras, o fogo-de-artifício, a procissão e a monumentalidade do Andor Grande, que seria transportado por 70 homens. Nesse ano, o periódico deu destaque a um atrativo suplementar: um milagre! Apesar de ser comum os devotos mencionarem repetidamente as suas benesses aquando do cumprimento das suas promessas, neste ano, usou-se antecipadamente um pretenso milagre para atrair mais romeiros à Aparecida.

Efetivamente, Abílio de Magalhães, consciente do impacto que este tipo de acontecimentos tinha na religiosidade popular, usou as páginas do seu jornal para propagandear o «Grande milagre de Nossa Senhora Aparecida». Apelidado de «authentico», a notícia dava conta que na freguesia de Travanca, no lugar de Santo Amaro, terá morrido uma criancinha com uma meningite, depois de ter sido assistida por um médico, que terá esgotado todos os «recursos que a sciencia podia fornecer». Como era costume, preparou-se-lhe um caixão para a conduzir ao cemitério. A mãe, num ato de fé, terá erguido o seu pensamento para Nossa Senhora Aparecida e suplicou pela vida da sua filha, prometendo-lhe todas as suas joias e ainda que a levaria, dentro do caixão, até junto do seu altar em dia da romaria. Verdade ou não este acontecimento, lançou-se o repto de que ninguém deveria perder a ocasião de assistir ao cumprimento desta promessa, tendo sido anunciada para o dia 14 de agosto, ao meio dia. A menina seria, então, transportada dentro do caixão e acompanhada por uma banda de música desde sua casa até à ermida. Posteriormente à festa, o Vida Nova deu o devido destaque ao acontecimento. Apregoando a veracidade como a sua grande divisa, deu nota dos milhares de pessoas que ali acorreram para presenciarem o cumprimento da promessa, assistindo a um novo milagre. Supostamente a criança, que teria um sono levíssimo, no dia 14 de agosto de 1926, quando a banda de música de Vila Boa executou a primeira peça, em Santo Amaro, logo adormeceu num sono profundo. Foi, então, colocada a dormir no caixãozinho, com um aspeto pálido de cadáver. Com o cortejo em marcha, nem o som da música e o estrondo dos foguetes a acordaram. Assim se fez um cortejo de quatro quilómetros até ao perímetro da festa. Aqui se juntaram mais duas bandas de música e uma multidão de gente que se acotovelava para ver a menina miraculada, obrigando à intervenção das autoridades para se conseguir abrir caminho e continuar o cortejo até junto da ermida. Diz o jornal que tudo isto decorreu em duas horas, debaixo de um barulho ensurdecedor, sem que a criança acordasse. Só perto do altar de Nossa Senhora Aparecida é que a criança retomou as suas cores e abriu os seus olhos. Foi, então, tirada do caixão por um dos homens da terra, António Magalhães Coutinho de Carvalho, que a mostrou aos milhares de pessoas presentes e a entregou à mãe, radiante de felicidade.

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▲Fig. 4 – Casa Comercial de Abílio Pinto Leite de Magalhães. Postal Ilustrado (1907).

Independentemente dos contornos e da veracidade deste milagre, que está na origem da conhecida procissão dos caixões, é um facto que este acontecimento serviu para promoção da romaria. Nos anos seguintes, apesar de algumas rivalidades entre a autoridade eclesiástica e os comerciantes locais, evidenciou-se o papel que negociantes aparecidenses tiveram no sucesso e na promoção da festa. Abílio Pinto Leite de Magalhães terá sido um dos principais impulsionadores. Filho de António Pinto Ferreira de Magalhães, um comerciante estabelecido na Aparecida, desde 1845, continuou o negócio da família. Em 1911, com 40 anos, emigrou para o Brasil, de onde regressou após estabelecer lucrativos negócios e ter multiplicado a sua fortuna pessoal. Fez tudo o que pode para engrandecer as festas, recorrendo a todos os seus contactos para conseguir apoios para o seu engrandecimento e para as obras na capela de Nossa Senhora da Conceição. Ao incentivo dos comerciantes, que muito lucravam com o negócio da romaria, juntava-se o acrisolado bairrismo dos aparecidenses, que procuraram sempre o engrandecimento da sua terra. Os programas oficiais até meados do século XX evidenciam uma grande diversidade e atratividade de atividades que asseguraram a afluência de forasteiros. A romaria da Aparecida tornou-se numa das mais importantes de todo o Norte do país.

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