Orlando Pereira, o professor apaixonado pela música

O Lousadense desta semana é essencialmente conhecido pela sua atividade profissional, de professor e diretor do Agrupamento de Escolas Lousada Este, mas também pela sua dedicação ao teatro e à música, áreas que considera fundamentais na educação integral. António Orlando Silva Pereira nasceu em Meinedo há 62 anos, no antigo lugar da Devesa, perto do apeadeiro e da igreja da freguesia. Filho de pai ferroviário e mãe doméstica, é o mais velho de três irmãos. Uma prole numerosa, se tivermos em conta que, após um aborto, a mãe fora aconselhada a não ter filhos. Apesar de os cuidados de obstetrícia revelarem na altura insuficiências, os pais decidiram arriscar depois de alguns anos sem ter filhos.

Com três filhos ao seu cuidado e as lides domésticas, a mãe era também um complemento importante na economia doméstica, pois criava animais e cultivava alguns dos seus terrenos com a ajuda dos filhos e alguns tarefeiros. Sobre a progenitora, Orlando Pereira diz ainda que foi uma grande heroína, não só pela dedicação aos filhos, mas também por ter ficado órfã de mãe com apenas nove anos e, com a ajuda dos tios, ter ajudado a criar os irmãos mais novos, de sete e dois anos. “O meu avô era negociante de cavalos e gado e ausentava-se muitas vezes, até à Galiza, Espanha, às vezes por quinze dias. A minha mãe, com ajuda dos tios, foi ajudando a criar os irmãos. Não chegou a ser menina”, explica.

O percurso escolar da mãe, como era habitual na altura com as meninas, ficou-se pela terceira classe. Já o pai, António Pereira, apesar de ter concluído apenas a quarta classe, era um homem culto, estudioso e apaixonado pela leitura. “Era um leitor inveterado”, diz o filho. Apesar de nunca ter tido livros, foi o melhor aluno da sua classe. Quando se cruzava com os livros, não perdia a oportunidade de os ler. “Na Casa de Vila Pouca chegaram a emprestar-lhe livros, que devorava sofregamente, a ponto de se esquecer do que estava a fazer, na altura a vigiar animais”, conta.

Orlando Pereira frequentou a escola primária em Meinedo, no lugar de Casais, numa habitação privada. Integrado numa turma masculina numerosa, de acordo com as regras da altura, conheceu várias professoras durante os quatro anos de escolaridade. Recorda-se da professora Joaquina, da 4.º classe, e da professora Adelaide, da família Ruão, de Paredes, na 3.ª classe.

Dessa altura, recorda também a vida humilde com os colegas vizinhos e as caminhadas até à escola. Tem ainda vivas as memórias dos comboios de mercadorias a carregar e descarregar no apeadeiro, e das traquinices das crianças: “Porque as cancelas da passagem de nível estavam fechadas tempos infindáveis e era preciso passar para o outro lado, porque estava na hora da escola, os mais pequenos passavam por baixo do comboio, onde os vagões uniam e os maiores por cima, atravessando a guarita do guarda-freio”.

A vida simples da aldeia estava muito ligada às atividades agrícolas, como as colheitas e a produção do vinho, com os seus rituais de outrora, como era o caso das desfolhadas e das vindimas. O professor privou sempre muito com os filhos dos agricultores. “Partilhávamos o mesmo espaço e fazíamos as mesmas coisas”, diz.

A passagem pelo seminário

Os pais desde sempre manifestaram vontade em proporcionar uma vida melhor aos filhos e estimularam-nos a continuarem os estudos. A melhor opção, na altura, foi a entrada no seminário, por se tratar da forma mais económica de continuar a vida académica. Principalmente à mãe, agradava também muito a ideia de ter um filho padre, visto que era uma pessoa muito ligada à Igreja. Da turma do jovem Orlando, apenas ele e um colega seguiram os estudos e ambos entraram no seminário. Nenhum chegou, contudo, a padre.

Entrou então no Seminário da Congregação do Espírito Santo, uma ordem missionária com instalações em Godim, na Régua. Foi aí que fez o primeiro e segundo anos (atuais quinto e sexto anos). Os três anos que se seguiram foram já frequentados em Fraião, Braga. O então seminarista percebeu que não tinha vocação para o sacerdócio. Apesar de reconhecer que o seu caminho não era o religioso, diz ter ganho com o tempo que passou no seminário: “O ensino no seminário era de grande rigor, o que nos ajudava na autonomia, independência e resiliência, para sermos capazes de sozinhos nos organizarmos”, refere. As rotinas diárias dos jovens seminaristas passavam também pela limpeza dos espaços pessoais e comuns. “Numa casa onde residiam várias dezenas de rapazes tinha de haver organização, grande rigor e disciplina”, assegura.

Ainda hoje o professor considera bons os princípios inculcados desde tenra idade, a ponto de os transmitir aos alunos. “Há momentos específicos para cada altura do dia. Digo aos alunos que precisam de comer bem, dormir bem, estudar bem e brincar bem”, refere.

A paixão pelo teatro

Completado o ensino básico e liceal, Orlando Pereira seguiu para o Magistério Primário, em Penafiel, onde concluiu o bacharelato, em 1980. Teve a felicidade de ter como colega aquela que viria a ser sua esposa, Jacinta Ferreira, de Meinedo. Da relação, nasceram dois filhos. O mais velho já lhe deu uma neta.

Voltemos ao início da década de 80. Nessa altura, estava em curso o projeto pioneiro de educação de adultos, para cuja função decidiu concorrer, tendo sido colocado em Pias, Lousada. O trabalho com adultos, jovens e menos jovens, deu-lhe a possibilidade de criar um grupo de teatro, que perdura no tempo, Os Pienses. “Com um punhado de jovens entusiastas pelo teatro, levamos à cena várias peças de teatro. Esta, a par da alfabetização, era uma componente cultural preconizada no projeto. Os ensaios ocorriam no salão paroquial, gentilmente cedido pela paróquia. Como não tínhamos sala de espetáculos , construímos um palco no adro da igreja e arranjamos a plateia com bancos emprestados”, recorda. Na primeira fila, aquando da estreia, estavam figuras de destaque, como o presidente da Junta, o presidente da Câmara e o Pároco que prestigiavam o trabalho dos artistas e os encorajavam a continuar. O sucesso foi tal que apresentaram noutras freguesias do concelho.

Na altura, Orlando Pereira, com 22 anos, foi forçado a interromper a carreira docente para cumprir o serviço militar. Depois de ter feito a recruta e especialidade na Escola Prática de Infantaria de Mafra, graduado em segundo-furriel, concluiu, no Regimento de Infantaria de Vila Real, os 16 meses de tropa, como instrutor, numa companhia operacional. Sempre disposto a ver o lado positivo das experiências, o professor salienta que se aprende sempre, mesmo nas adversidades. “Todas as experiências, até as más, nos oferecem algumas lições”, salienta. Por isso, não considera inútil o tempo que passou na tropa, que cumpriu com esforço e dedicação.

Música acompanha-o desde muito novo

Regressado da tropa, começou a lecionar no primeiro ciclo, sempre em Lousada e nos concelhos vizinhos, Felgueiras, Penafiel, Baião e Marco de Canaveses. Mas não abandonou a vida académica e concluiu a licenciatura em ensino, Curso de Professores do 2º Ciclo do Ensino Básico – Variante Educação Musical. Este grau académico levou-o a Caíde de Rei, em 1998, onde ficou colocado na Escola EB 2,3 da freguesia.

▲ Concerto pelo Grupo Coral Santa Maria Maior de Meinedo

A opção pela música não surgiu do nada. O professor sempre gostou de música, sobretudo do canto litúrgico. Já no seminário pertencia ao grupo coral. “Quando saí, aproximei-me da paróquia e do coro. Era um coro simples, nos anos 70, 71. Davam-se os primeiros passos na mudança para a liturgia na língua vernácula, após as orientações saídas do Concílio Vaticano II”, lembra. Até hoje, nunca deixou de integrar e colaborar com o Grupo Coral Santa Maria Maior de Meinedo, passando a exercer as funções de ensaiador e coordenador. Portanto, a docência na área da música foi uma forma de dar continuidade a essa paixão, mas no âmbito profissional.

A sua experiência no passado como diretor de escola do primeiro ciclo proporcionou-lhe competências na organização escolar e comunicação com as instâncias superiores, na altura o delegado escolar. Ficou-lhe o gosto e a apetência pela função, que o levaram a aprofundar os conhecimentos na área da administração escolar, concluindo em 2001 o mestrado em Administração e Planificação da Educação. Seguiu-se uma pós-graduação em Gestão e Administração de Estabelecimentos de Ensino “para dar resposta às necessidades e estar preparado para o exercício de funções”, explica.

Há duas décadas na gestão e direção do Agrupamento de Escolas Lousada Este

A formação e grande experiência na gestão escolar fizeram com que, em Caíde de Rei, a sua prestação não tivesse ficado pela docência na área da música, tendo sido convidado pela presidente do Conselho Executivo para exercer funções de assessor da direção. “Mais tarde, a presidente Ana Paula Mata encarregou-me de mediar a constituição de um agrupamento de escolas entre a DREN, o Município de Lousada e as Escolas da Educação Pré-escolar e 1º Ciclo das freguesias de Meinedo, Caíde de Rei, Torno, Vilar do Torno, Cernadelo e Aveleda, o que viria a ser o futuro Agrupamento de Escolas”, conta. Assim, surgiu o Agrupamento Vertical de Escolas Este de Lousada, do qual se tornou presidente da Comissão Instaladora, em 2002. Permanece no lugar até aos dias de hoje, embora como diretor, em virtude das alterações introduzidas pelo novo regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, no agora denominado Agrupamento de Escolas Lousada Este.

É evidente a ligação afetiva do professor Orlando Pereira à escola E B 2,3 de Caíde de Rei e ao Agrupamento, que integra seis escolas, atualmente distribuídas por cinco freguesias, tendo no seu logótipo o Sol, uma alusão à sua localização, a Este, ponto cardeal onde nasce o sol.

A pandemia que estamos a viver marcará certamente a sua carreira como diretor, pelas dificuldades em organizar a vida escolar, acautelando a saúde pública. Apesar de tudo, realça que este tem sido um período de reinvenção por parte dos professores: “Viram-se perante uma realidade nova, entreajudaram-se, conjugaram esforços, para que, em conjunto com a direção, chegassem a todos dos alunos”, diz.

40 anos de experiência no ensino permitem-lhe concluir que o maior erro na educação é a não consolidação das alterações e experiências, o que não permite a existência de avaliações e conclusões. “O ritmo das mudanças políticas, mudanças nas orientações, nos currículos sobretudo… Nunca houve a serenidade necessária para se tirarem conclusões e se caminhar mais assertivamente”, alega. “É uma pena, porque temos tido uma classe docente esforçada, muitas vezes sem condições. Faz um trabalho excecional… Conheci imensas situações de docentes sem as condições necessárias, mas que desenvolviam uma atividade profissional extraordinária”, acrescenta. Lamenta ainda que não haja mais estabilidade para que os professores possam desenvolver o seu trabalho de “forma mais profícua” com os alunos.

Co-fundador do Teatro Experimental Magnetense

Dedicado à sua terra, Meinedo, sempre esteve ligado às atividades da igreja e dinamizou o grupo de jovens “Jovens Unidos por Meinedo”, ligado à paróquia. “Saíram homens de muito valor, que muito têm dado à sociedade”, sustenta. Este grupo era bastante ativo. Para além de reunir todas as semanas, editava um pequeno jornal.

▲Cena de peça de teatro com o grupo de Pias – 1981 – no salão de paroquial de Meinedo

Orlando Pereira tentou sempre melhorar Meinedo e a vida dos meinedenses. Fê-lo à sua maneira, como faz questão de frisar. Viu nascer o Centro Paroquial, com o padre Arnaldo Batista Meireles, para suprir as necessidades de uma comunidade que já não cabia na igreja. Na altura, proporcionou boas condições para outras atividades, pois tinha um bar, uma sala de jogos e mesmo camarins para apoio ao teatro.

A arte teatral acompanhou-o ao longo da sua vida. Depois da experiência em Pias, Orlando Pereira foi co-fundador do Teatro Experimental Magnetense. “Encenei e representei teatro religioso na altura do Natal e Páscoa. Coordenava o grupo de jovens para representação de cenas bíblicas. Pusemos em cena «O Nazareno», de Frei Hermano Câmara”, recorda, acrescentando que, para além do teatro ao vivo, recorriam às sombras chinesas.

“O teatro é uma grande escola e uma excelente ferramenta na educação”
Na escola, como professor e diretor, tenta que o teatro faça parte da formação dos alunos, como atividade de complemento curricular ou extracurricular. Os docentes com formação ou aptidão para o teatro são convidados a desenvolverem projetos na área. “O teatro educa para muitas competências sociais e não só. Colaboração, companheirismo, desenvolvimento da memória, desinibe… Com grande mestria de alguns professores, os alunos desenvolvem aptidões na área das línguas estrangeiras, na música, no canto…”, explica. As experiências gratificantes com esta “ferramenta na educação” permitiram “resgatar” alunos com grandes dificuldades do seu insucesso. “O teatro é uma grande escola e uma excelente ferramenta na educação”, sustenta.

Para além das artes, o professor reconhece também a importância do desporto escolar. Enquanto diretor das escolas do primeiro ciclo por onde passou, tentou deixar sempre equipamento desportivo, sobretudo para a prática do futebol, basquetebol e andebol. Para isso contou com a ajuda das autarquias.

Orlando Pereira ainda tem muito para dar à escola e à sociedade, em particular a Meinedo, que é “uma terra com história” e “com potencial”. É um Meinedense orgulhoso da sua terra.

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