Louzadenses com Alma
Por José Carlos Carvalheiras
Há pessoas que semeiam o bem e distribuem bondade sem que por isso se façam notar nem pretendam reconhecimento de qualquer estilo ou entidade. Foi o caso de Justina Alves, que ficou perpetuada na memória social louzadense pela denominação de “Justininha da Padaria”.
Ela foi indubitavelmente uma das mais carismáticas e populares louzadenses de sempre. Não a referir nesta publicação provocaria a maior lacuna possível em tal empreitada. É certo que haverá pessoas que apontarão certas ausências nesta lista, pois já diz o ditado que para “cada cabeça, sua sentença”.
No entanto, não incluir a Justininha seria uma falta que não passaria em claro à generalidade da sociedade louzadense, pelo menos aquela mais conhecedora da localidade na segunda metade do século XX.
É certo e sabido que Justina Alves não gostava de protagonismos publicitários à sua índole nem à sua atividade, mas a sua importância socialmente histórica obrigam à sua inclusão neste livro.
É acima de tudo uma decisão pessoal, mas é também um ato de respeito pela História, pela Memória e Identidade Coletiva de Louzada, valores e conceitos pelos quais esta coleção d’Os Louzadenses tem pugnado desde o primeiro volume.
Depois desta explanação introdutória, eis a resenha biográfica da referida senhora. Com pouca idade, Justina Alves foi para o Hotel do Comércio trabalhar. Não sendo certo, julga-se que teria 18 anos.
Foi-lhe confiada a função de tomar conta da cachopada que traquinava naquele estabelecimento hoteleiro de Joaquim José Alves e Ana Isabel de Campos. Estava a iniciar-se a década de 1940 e os hotéis ou pensões de Louzada não tinham mãos a medir, sobretudo na época de veraneio, com um verdadeiro corrupio de forasteiros de passagem e de visitantes em estadia, que buscavam os temperados ares, as esmeradas mesas e as perfumadas camas louzadenses.
Ah, e a hospitalidade, esse dom característico das gentes de Louzada que ganharam fama de bem receber no coração do Vale do Sousa. Nesse contexto cresceu a Justininha, sempre tratada por todos pelo seu diminutivo, pois foi sempre pessoa que inspirou carinho, mesmo quando se mostrava espavorida ou exaltada.
Justina Alves tinha uma generosidade muito peculiar e estimada por toda a sociedade louzadense que sempre a teve como uma grande senhora, um verdadeiro arquétipo da mulher do Tarrão, a genuína mulher dos primórdios desta vila e que é caracterizada no texto de introdução deste livro.
Tudo quanto se escreveu naquele texto de abertura desta obra encaixa na figura da Justininha, mulher bem-humorada e com a língua destravada quando tinha que se impor ou quando tinha de brejeirar para animar alguém.
Foi trabalhar para o Hotel como ama seca mas acabou a fazer sopa-seca como primor próprio das predestinadas para a cozinha. Se ainda era considerada “a sobremesa dos pobres”, com a Justininha a sopa-seca passou a ser um doce divinal, um manjar dos deuses.
E as iscas e pataniscas? Faziam as delícias de todos. A sua padaria haveria de ser das mais famosas. Esse negócio surgiu por via do casamento com António Teixeira, um marcoense especialista na indústria da panificação.
Ele cozia e a Justininha vendia. Ah, o pão da Justininha, fosse de que tipo fosse, era também ele de eleição, sobretudo a regueifa ou rosca de pão, que tanta fama granjeou, dizem os seus contemporâneos ainda vivos. Dizem que era o melhor pão que se fazia em Louzada e por essas terras fora.
É de sublinhar que Louzada afamou-se com muita justiça e prestígio na indústria da padaria, com os Motas, os Aires e outros. Há histórias escritas e publicadas acerca dessa fama conquistada pela padaria da Justininha.
Numa das crónicas de António Augusto de Castro Gorgel nas edições do Jornal de Louzada de 1958, lê-se que certa noite já avançada na madrugada, estando a trupe das janeiras louzadenses cansada e desejosa de pão, foram cantar para a porta da Justininha:
“Ó rainha das padeiras,
Deixe a faina, por momentos,
Ouça cantar as Janeiras
E o tocar dos instrumentos.(…) Venha à janela ‘Stininha
Venha ver e admirar,
O instrumento do Arnaldinho
Qu’é de crescer e mingar.E era, sim, pois tocava harmónium.
Mas foi o fim do mundo.
O Vermelho (Casimiro Alves), se não foge depressa com o saco às costas, levava no lombo com a pá do forno da Justininha.Só a voz do sangue, do irmão Arnaldinho (da Picota), foi capaz de lhe acalmar o ânimo e explicar o que queríamos. Era tudo garganta
(António Gorgel, “Bons tempos – Crónicas dos Bons Pândegos”, Jornal de Louzada, 15 de Maio de 1958).
de bons pândegos, mais nada”
Quem com ela conviveu e sob a vigilância e cuidados dela cresceu na infância foi Ana Emília Alves de Castro Neves Barbosa, sobrinha dos donos do Hotel do Comércio.
Esta louzadense, atualmente radicada em Guimarães, afirma que “a Justininha não podia saber que alguém passava mal que logo arranjava maneira de fazer bem a essa pessoa, nem que fosse por intermédio de terceiros, porque era sabido de todos que ela não gostava de ser agradecida nem recompensada pelo bem que fazia”.
No entender de Manuel José Correia Fernandes, um dos principais consultores e informantes desta coletânea de pessoas de Louzada, disse que “a Justininha foi uma das pessoas mais generosas e altruístas da história desta terra”.
Aquele louzadense sublinha que “eram muitas as pessoas que ela sentava à sua mesa para lhes tirar a fome e eram muitas mais aquelas que se saciavam em suas casas com os petiscos e o pão que a Justininha cozinhava e mandava entregar sem dar nas vistas”.
Justina Alves faleceu em 30 de Janeiro de 1986, com 93 anos de idade. Deixou histórias para contar, risos para dar, memórias para recordar. Teve descendência através de Maria Antónia Alves Teixeira, que casou com um grandíssimo Louzadense, que foi um bastião para muitas instituições e entidades locais, Joaquim Gonçalves Solha, por quem a Justininha tinha um apreço muito grande, assim como pelos netos, Ana Maria Solha e António Solha, professora e médico, respetivamente.
A terminar, vem a propósito do cariz brejeiro e genuíno da Justininha, uma citação do catedrático portuense, Paulo Moura, acerca dos palavrões, num excerto do artigo edição do jornal “O Público”, de 13 de Outubro de 2013:
“Em nenhum outro lugar do país se fala um português tão rico como no Porto. Perdoem-me os bem-falantes de todas as latitudes, mas eu, que já morei em muitas terras, nunca vi acariciar as palavras como no Porto.
E não me refiro às camadas cultas. Por mais que isto custe aos lusos doutores, na Invicta, o povo apoderou-se do Verbo. “No Porto?”, pasmará um lisboeta. “Eu quando lá vou só ouço palavrões!”. Precisamente. Esse é um exemplo fascinante.
No resto do país, os palavrões são usados em situações extremas, para mostrar desagrado por uma situação, ou para insultar alguém, que pretendemos rebaixar. E, usando-os, rebaixamo-nos a nós próprios também.
É para isso que servem: para reduzir à obscenidade. No Porto, os palavrões não são obscenos: são uma arte e uma filosofia. Não sei se algum linguista analisou alguma vez este fenómeno. Mas valia a pena. Primeiro porque, no Porto, os palavrões são fiéis à sua natureza — são vulgares e ordinários.
Não são, como noutras regiões, raros e extraordinários. São de todos, e não de uma elite indecente. E servem para exprimir uma sabedoria (…)”.
Paulo Moura, no jornal “O Público”, de 13 de Outubro de 2013
Ponto final, parágrafo.
Me lembro muito bem da justininha. é verdade que era o melhor pão e regueifa todos os domingos a minha mãe me mandava ir buscar a regueifa e quantas vezes chegava a casa só com metade era tão boa e comia por o caminho até casa chegava a casa levava uma coça e tinha que ir buscar outra bons tempos ,essa grande senhora faleceu andava eu na tropa ainda me lembro como se fosse hoje toda a gente dizia morreu a justininha da padaria uma grande mulher