Por Altino Magalhães
Já tinha passado a “feira da Oitavas”, no dia 26 de Dezembro. Os últimos agasalhos e outros bens necessários já tinham sido adquiridos. Tinha sido uma feira de arromba!… Até os namorados tinham posto algumas dúvidas amorosas no seu devido lugar.
O Ano Novo estava à porta!… Era preciso pensar-se nos “cantares das
Janeiras e dos Reis”, ensaiarem-se para começar a cantar de casa em casa, logo na noite de passagem de ano, mal suassem as doze badaladas no sino da igreja.
Antigamente vivia-se intensamente, tanto no trabalho como no lazer, a semana entre o Natal e o Ano Novo. Os campos estavam recheados de erva verdinha e suculenta, pois normalmente é época das chuvas, e era preciso segá-la, pois os animais não esperavam mais de barriga vazia e avizinhavam-se dias muito ocupados.
Na véspera de ano novo, à noite, repete-se o ritual da ceia do Natal, mais pequena, mas também cheia de tradição e coisas boas, nomeadamente de comida melhorada, não faltando “doces” e o vinho fino (vinho do Porto), e, se fosse casa mais abastada, não faltava o champanhe nem as “uvas passas”, principalmente uvas morangueiras, secas ao sol.
A família nessa noite era composta por menos elementos do que no Natal. Estavam à mesa os que eram mais chegados e de mais perto. Chegada a meia-noite, comiam-se doze uvas passas e com cada uma, pedia-se um “desejo bom”, ficando-se à espera que acontecesse durante o ano.
Abria-se o espumante para se brindar, ou então, também se brindava ao ano novo com um bom vinho tinto cultivado cá na terra. Ao longe começavam a surgir as primeiras melodias dos cantares das Janeiras.
A rapaziada, munidos de violas, cavaquinhos, bombos e
ferrinhos e uma ou outra concertina, iluminados pela luz de um lampião que seguia à frente, andava de porta em porta a saudar as pessoas, através de quadras designadas para cada casa ou pessoa e a comemorar o nascimento do Menino Jesus e a vinda dos Reis Magos do Oriente.
Poucas mulheres andavam a cantar as janeiras, a menos que fossem esposas ou irmãs dos cantadores e tocadores, sobrinhas ou uma ou outra prima e uma ou outra mulher mais velha, mas que fosse ainda solteira.
Os rapazes, nestas alturas, aproveitavam para fazerem as “festadas” às raparigas de quem gostavam mais e que fossem solteiras e que quisessem cortejar. Era uma boa forma de cantarem às raparigas e estarem um bocadinho à beira delas. As raparigas já sabiam que eles iam lá a casa, e os pais ficavam zangados por elas não lhes dizerem nada!…
Depois da saudação, entravam nalgumas casas, cantavam e dançavam dentro dos terreiros e das lojas, e, se fosse casa de alguém que lhe fosse mais “querida” ou “interessada”, a “moda” era mais prolongada.
Casas havia em que davam para comer, um pedaço de salpicão, presunto e broa, acompanhados de vinho ou então, se houvesse, pão de ló e vinho fino. Grupos havia que cantavam as “Janeiras” e os “Reis” para solicitarem donativos para obras, principalmente da Igreja.
Percorre-se a aldeia, de casa em casa, até à noite de Reis, noite essa em que já se cantavam “os Reis”, terminando a “festada” no “Dia de Reis” à noite, portanto dia 6 de Janeiro.
Normalmente as canções tinham um refrão que era intercalado com os “Vivas” em quadra… Deixamos aqui algumas recolhidas pelo Grupo Folclórico e Cultural As Lavradeiras do Vale do Sousa, de Meinedo, Lousada e transcritas no livro de Ana Perdigão: AS MEMÓRIAS DA MINHA GENTE:
Refrão:
AS MEMÓRIAS DA MINHA GENTE
A estas horas da noite
À certa que estais na cama
Acendei as vossas luzes
Vinde-nos dar “jerbitana” (aguardente)
I
Esta casa é bem alta,
Janelas de vidro tem.
Viva lá o senhor (…..)
E a sua senhora também!…
II
Via lá o Sr. (fulano)
Suas calças de veludo
Quando mete a mão ao bolso
Tira dinheiro para tudo
III
Viva lá a menina (….)
Na “giguinha” das ores
Diga lá quando se casa
P’ra lhe deitar as ores.
IV
Boas festas, Boas Festas,
Boas Festas vimos dar…
Vimos provar o seu vinho
Salpicão se nos quer dar.
V
Aqui estamos, aqui vimos,
Ó senhores bem o sabeis,
Vimos dar as boas Festas
E também cantar os Reis…
No dia seguinte ao Dia de Reis, as pessoas começavam a retirar o Presépio guardando, “religiosamente”, as belas Imagens até ao próximo Natal.