Nasceu em Lamoso, Paços de Ferreira, em 1932, mas cedo se mudou para Lustosa, onde fez toda a sua vida. Sem ter frequentado a escola, foi leitora, ministra da comunhão, catequista e vicentina. Maria da Conceição Alves é um rosto inconfundível da comunidade cristã de Lustosa e, passados 88 anos, não se arrepende de ter dedicado a sua vida à comunidade e ao próximo.
De sorriso fácil e uma felicidade que contagia, Conceição Alves guarda no coração um amor pela igreja e por ajudar o próximo. Não fosse a pandemia provocada pela Covid-19 e as dificuldades em deslocar-se, só encontraríamos Conceição na sacristia paroquial a garantir que tudo corria dentro da normalidade.
Agora em casa, a tristeza de não ir à eucaristia e a ansiedade de voltar sentem-se na voz. “É uma dor. Sempre fui à missa, mesmo com a pandemia. Não consigo ficar em casa, é uma tristeza grande”, afirma.
Mesmo com os meios de comunicação que hoje são disponibilizados, Conceição sente que não é suficiente. “Ouço na televisão, mas não é como estar lá, é diferente. É um vazio muito grande. Ouve-se a palavra de Deus e ouve-se tudo, mas chega à altura da comunhão e ficamos vazios. É mesmo muito difícil”, conta.
“Tínhamos de trabalhar para ganhar para comer. Foi muito difícil, mas alegre. A minha alegria era ir para a igreja.”
Entrou para a catequese aos sete anos, época que lembra como sendo feliz, mas que, no fundo, “não foi infância nenhuma, porque nem na escola andei, não era obrigatório. Tínhamos de trabalhar para ganhar para comer. Foi muito difícil, mas alegre. A minha alegria era ir para a igreja, nunca ninguém me proibiu e vivi sempre alegre, com muitas amigas. Fui muito feliz”.
Também nessa altura, muda-se para Lustosa, para a Quinta da Sé, de onde herdou o nome pela qual é carinhosamente tratada na freguesia, mas que nem sempre gostou. “Foi-me dado pelo Padre Augusto, quando entrei no Centro Social, para distinguir da outra Conceição”, revela.
Cuidar dos pais e dos doentes
Conceição Alves sempre teve uma paixão por ajudar o próximo e, por isso, trabalhou sempre por casa, onde ajudou os pais até ao fim das suas vidas. “A nossa vida era de casa para o campo, do campo para casa, e ir para igreja, era isso”, lembra.
Em 1991, o pai acaba por falecer e, depois de ter atravessado a fase final dos pais, arranjou um novo emprego para fazer face às suas despesas.
A faltar poucos anos para a reforma, começa a trabalhar no Centro Social e Paroquial de Lustosa, como ajudante de cozinha. “Depois de ser reformada continuei a trabalhar lá até hoje”, explica, reforçando que “se não fosse esta crise, ainda ia sempre para lá”.
Durante a frequência do patronato, quando era mais jovem, aprendeu a coser à mão. Mais tarde, comecei a ter máquina e comecei a fazer tudo o que era para a igreja, toalhas, paramentos, tudo”.
Ainda hoje, na Igreja Paroquial de Lustosa, se vestem os paramentos trabalhados pelas mãos de Conceição cheias de histórias para contar.
Aprender a ler depois dos 40
Não saber ler nem escrever não foi impedimento para fazer o que mais sonhava: ajudar os pobres, os doentes e ensinar catequese aos mais pequenos. Quando era criança, frequentou a escola poucos meses e não teve a possibilidade de aprender algo que hoje parece obrigatório. Mas nunca cruzou os braços.
Depois dos 40 anos, em 1975, aprendeu a ler com a ajuda de uma vizinha e, por convite do pároco, acumulou mais uma função: a de proclamar a palavra. Para além dessa, exercia funções de ministra da comunhão, catequista e vicentina.
“Sempre quis dedicar-me ao trabalho da igreja e tudo o que vinha às minhas mãos eu fazia.”
Fez da igreja a sua paixão e não se arrepende da escolha que tomou. “É a minha maior alegria é ir para a igreja, para mim é uma festa”, confirma, acrescentando: “sempre quis dedicar-me ao trabalho da igreja e tudo o que vinha às minhas mãos eu fazia. Comecei a achar-lhe graça”.
Ensinar e transmitir a palavra
“Entrei para a catequese aos 7 anos, ainda sem saber ler, fiz a comunhão solene e, nessa altura, tínhamos de sair. Então pedi ao Sr. Padre para me deixar ir para os outros grupos, porque eu queria andar sempre na catequese. E ele deixou. Quando fiz 16/17 anos, ele pôs-me a tomar conta de um grupo”, recorda. Hoje, mantém-se como catequista, mas de um grupo de adultos.
Cedo percebeu que a sua vida passaria pela igreja e, por isso, “quando era mais nova, fiz quase uma promessa: se não me desse para o matrimónio, trabalhava toda a minha vida na igreja. Desde aí nunca mais saí”.
Toda a vida se dedicou a cuidar dos outros e é isso que a faz sorrir todos os dias. “É o que me dá mais felicidade, é estar juntos das crianças, dos jovens e dos velhinhos. Aos domingos, ia sempre visitar os doentes, conhecia-os todos”, recorda.
“Quando na Páscoa e no Natal o Sr. Padre ia visitar os doentes, eu é que o acompanhava sempre. Até há pouco tempo ia levar a comunhão todos os domingos, quando começou a paralisar é que deixei”, lamenta.
São poucos os desejos que hoje guarda. Um deles, o de “estar com os doentes, dar-lhes conforto e alegria, é o que mais gosto de fazer”, afirma, lembrando os tempos em que “visitávamos os velhinhos, conversávamos e riamos. Eles ficavam consulados e nós consulados vínhamos. Arrependo-me de não ter começado mais cedo”.
“No fim, é uma alegria a gente ter feito o que fez. Se fosse hoje, fazia tudo igual. Tenho pena que os jovens não trabalhem muito.”
Da juventude, recorda as “primeiras sextas-feiras do mês”, em que, “eu e outra senhora íamos de noite chamar as criancinhas para virem. Era uma missa especial, na altura do Padre Campos. Os pais sabiam que no fim elas iam estar ali prontinhas”.
“No fim, é uma alegria a gente ter feito o que fez. Se fosse hoje, fazia tudo igual. Tenho pena que os jovens não trabalhem muito. Só queria meter no coração dos outros aquilo que sinto no meu, era isso que queria. Queria que sentissem a fé que devemos ter”, exprime.
E acrescenta: “esta epidemia é tudo falta de fé. Isto é um abandono completo de Deus, as pessoas afastaram-se completamente da igreja e isto é uma falta de fé, em que fomos avisados. Nossa senhora prometeu que se o povo não se convertesse que viria outra pior, e nós cá temos. Porque o povo virou completamente as costas a Deus e afastou-se da igreja”.
“Agora já está a aproximar-se mais, ao ajudarem os pobres e os doentes. Até aí não se fazia nada”, testemunha, esclarecendo que “era isso que queria meter no coração dos jovens, e temos um grupo muito bons de jovens aqui em Lustosa, mas agora nem sequer podemos estar com eles”.