Nasceu em Porto Santo, na Madeira, mas cedo se mudou para S. Roque do Funchal. Define-se como uma pessoa respeitável, íntegra, simples e que nunca foi de grandes aspirações. Dedicada e empenhada no que fazia, tentou sempre cumprir os seus objetivos e o que entendia por bem fazer. A vida acabou por trazê-la até Lousada, onde foi professora e delegada escolar.
Teresa Maria Camacho Fernandes Valiñas nasceu na ilha de Porto Santo, no arquipélago da Madeira, a 27 de abril de 1940, mas, com dois anos, mudou-se para a Madeira, onde passou a sua infância. Pessoa respeitável, que não admite mentiras. Acima de tudo, define-se como uma pessoa simples. Aos seis anos, acabou por perder a mãe e ver-se separada dos irmãos.
“Éramos quatro, dois ficaram com o meu pai e a avó paterna e os outros dois ficaram com a minha avó materna. Mas íamos sempre passar férias juntos a casa dos avós maternos, onde os meus irmãos viviam com um tio Padre”, conta.
“Quando viemos para cá, para Lamego, eu é que ouvia os relatos das freiras das minhas irmãs mais novas. Eu é que teria de harmonizar um pouco, porque as mais novas eram um bocadinho mais rebeldes. Mas não foi difícil.”
O facto de não ter tido uma infância fácil definiu a personalidade que viria a ter enquanto adulta. “Quando viemos para cá, para Lamego, eu é que ouvia os relatos das freiras das minhas irmãs mais novas. Eu é que teria de harmonizar um pouco, porque as mais novas eram um bocadinho mais rebeldes. Mas não foi difícil”, explica.
O percurso escolar foi realizado em S. Roque do Funchal e, quando o pai emigra para a Venezuela, então, “os dois que estavam com ele, voltamos para a casa da minha avó materna, com o meu tio Padre. Entretanto, fui para o Colégio de Santa Teresinha, na Madeira”, onde frequentou o 5.º ano.
Mais tarde, “o meu tio foi convocado para ir trabalhar para a emigração católica e entendia que não era muito bom deixar três meninas com aquela idade sozinhas com os avós na Madeira. O meu irmão tinha ido com o meu pai para a Venezuela. Então, conseguiu que viéssemos para o Colégio da Imaculada Conceição, em Lamego. Acabei a secção de Ciências que me faltava. Ainda tentei acabar o 6.º e o 7.º ano, mas acho que já estava cansada de estudar”, brinca.
Por isso, concorreu ao Magistério Primário e foi para Coimbra, “que era onde havia o lar das Irmãs religiosas a quem estávamos entregues”, conta. Contudo, “a minha infância foi normal, não fui menina de muita riqueza”.
A adaptação ao continente
Apaixonada pelo mar, sofreu com a mudança de cidade e com as diferenças climáticas. “Eram só montes a toda a volta e senti uma angústia de não ver o mar. Tinha muitas saudades de ver o mar. Ia a uma janela e só via montes, parecia que me cortava o coração. E outro problema maior foi a adaptação ao clima”, explica. E acrescenta: “embora tenha um grande espírito de adaptação, isso custou-me”.
Embora o sonho não fosse ser professora, acabou por surgir a oportunidade de ir para o Magistério Primário. “Na altura abriram muitos lugares para o curso do Magistério, então, eu e outra colega do colégio fomos para Coimbra. No fim do curso, sugeriram que nos candidatássemos para o Porto, mas só concorri para sedes de concelho”, refere.
“Não conhecia Lousada, mas concorri para todas as sedes de concelho onde havia instituições de freiras da mesma congregação. Fiquei colocada em Lousada e lá vim eu. Mas gostei logo de Lousada, porque estava cheia de flores, que fez-me logo lembrar a minha terra e pensei que fosse gostar de ficar aqui”, conta. Acabou por ficar em Lousada, onde casou e teve dois filhos e uma filha.
A chegada a Lousada aconteceu em 1962 e ficou colocada na Escola de Cristelos, onde esteve três anos. Quando teve possibilidade de ficar efetiva, procurou outras oportunidades dentro do concelho, porque tinha vontade de ficar. Assim, concorreu para uma escola que tivesse meio de transporte.
Dessa forma, conseguiu um lugar em Lodares, onde ficou dois anos. Mais tarde, lecionou em Boim e regressou para Cristelos, onde ficou efetiva. Em 1975, passou a pertencer à Delegação Escolar.
“Depois do 25 de Abril formaram-se listas para os órgãos diretivos da Delegação Escolar. Na altura, dois colegas todos os dias me apareciam para eu fazer parte da lista. Como tinha estado no colégio e tinha ajudado a freira na secretaria, já estava dentro do assunto. Então aceitei e fui para delegada escolar”, conta.
Embora não estivesse em contacto direto com os alunos depois de ir para a Delegação Escolar, tem noção de que o ensino está diferente. “Lembro-me que chegámos a fazer muitas coisas na escola, trabalhos, canto coral, catequese e era tudo mais calmo. Mesmo em Lodares, que fui apanhar uma turma de rapazes mais altos que eu, nunca tive problemas. Trabalhei 13 anos com os alunos”, manifesta.
As dificuldades e a falta de condições nas escolas
Por aqueles dias, as dificuldades e a falta de condições faziam-se sentir um pouco por todo o concelho. E, nesta altura, a escola assumia um papel muito importante na formação de cada indivíduo.
“Tinha alunos que adormeciam na escola, porque se levantavam às cinco da manhã, uns para ir para a padaria ajudar os padeiros, outros para dar de beber aos animais, outros porque tinham de arranjar erva para os animais antes de ir para a escola.”
“Eram crianças mais educadas, com mais dificuldades. Em Lodares até tínhamos o auxílio da ‘Cáritas’, com farinha, queijo e leite. A funcionária, que vivia ali próximo, não se importava de fazer uma sopa para os que moravam longe. Nessa altura tinham de trabalhar em casa. Tinha alunos que adormeciam na escola, porque se levantavam às cinco da manhã, uns para ir para a padaria ajudar os padeiros, outros para dar de beber aos animais, outros porque tinham de arranjar erva para os animais antes de ir para a escola. Foi uma altura difícil de fome, higiene e condições habitacionais”, descreve.

Umas das suas primeiras lutas foi conseguir umas sanitas, “porque as crianças usavam aquelas calças com peito e alças e voltavam molhadas. Em Lodares, tinha casa-de-banho, mas não tinha fossa. O terreno que estava junto da escola era da igreja e não havia hipótese de fazer uma fossa”, lamenta.
“Juntamente com a igreja, e a Câmara Municipal, conseguiu-se pôr a funcionar a fossa. Quando vim para a Delegação Escolar, em 1975, o parque escolar tinha muitas necessidades, quer em material, quer em mobiliário, e até mesmo nos próprios edifícios. Tínhamos uma escola em Santo Estevão, que por baixo tinha animais e o chão tinha buracos”, recorda.
Mas será que os alunos davam mais valor à educação? Teresa Valiñas acredita que, “pelo menos, da parte da família, embora quisessem os meninos para trabalhar, acho que sim. Se pedíssemos alguma coisa, mesmo com as dificuldades, eles faziam”.
“Eu penso que se estava melhor, pelo que dizem os colegas. Depois, os próprios colegas começaram a ser fustigados com papeladas e afins que lhes iam tirando a paciência”, confessa.
Atualmente, pensa que os alunos “começaram a ter outra liberdade, outra maneira de estar. Já não há aqueles problemas de higiene, mas falta a educação. Eu atendia os colegas que vinham fazer as suas queixas”.
Enquanto Delegada Escolar, teve “bastantes dificuldades” no princípio, “porque as pessoas que estavam lá não aceitaram muito bem serem substituídas, e muito mais, por gente nova. Deixaram-nos sem ajudar a resolver qualquer problema”.
“Como disse, já sabia resolver alguns problemas, mas havia outros que não sabia, então tivemos a ajuda de um professor. Tínhamos dificuldade, principalmente, com a folha de vencimentos dos professores. Tínhamos de fazer aquelas contas que tinham de dar todas certinhas”, refere.
Por isso mesmo, chegou a ir várias vezes ao Porto, ao Banco de Portugal, “buscar a folha para as Finanças fazerem os pagamentos. Mas depois lá fomos acertando”. Na posição de Delegada, conquistou, ainda, novas instalações para a Delegação Escolar.
“Não tive grandes problemas. Fomos resolvendo tudo, porque a Câmara também me ajudava a resolver. Quando havia qualquer problema entre os colegas, eu sabia de tudo, mas ficava só para mim. Conseguia dar a volta de maneira que não houvesse depois problemas”, lembra.
“Conseguimos edifícios novos, mobiliário novo, conseguimos melhorar a situação dos estudantes.”
Durante os mais de 26 anos ao serviço da Delegação Escolar, acredita que deixou “uma boa impressão e que toda a gente me estimava. Não posso dizer que toda a gente gostava de mim, mas procurei sempre resolver as situações sem grandes problemas. A Direção Escolar nunca teve de vir cá resolver problema nenhum, a Câmara sempre deu o seu apoio. Conseguimos edifícios novos, mobiliário novo, conseguimos melhorar a situação dos estudantes”, orgulha-se.
Terminou a sua carreira em 2001 e um grupo de amigas “resolveram fazer-me uma festa de despedida. Estiveram os meus superiores do Porto e Penafiel, todos os elementos da Câmara Municipal, professores e auxiliares das escolas. Portanto, todas essas pessoas vieram à minha festinha. Estou muito tranquila e satisfeita”, conta. Foi, ainda, homenageada pelo Presidente da Câmara, tendo recebido uma medalha de prata pelos serviços prestados.
Trabalhar em prol do outro
Depois de todo o trabalho em prol da educação, dedicou o seu tempo a algumas atividades. “A certa altura, no fim do ano, começamos a fazer um almoço de encerramento. Entretanto, um grupo juntou-se para fazer uma associação. Fizemos a ‘Associação Cultural e Etnográfica dos Professores de Lousada’ e surgiu o Orfeão. Andámos por vários sítios. No momento da fundação, tinham 41/42 professores. Agora somos só 19/20.”, explica.

Mas a associação mantém-se aberta há cerca de 30 anos: “somos os últimos, mas continuamos. Chegamos a gravar um CD e fomos atuar em muitos sítios”.
“Fiz parte, ainda, da Associação Nacional dos Professores do Ensino Básico, que esteve sediada em Lousada alguns anos. Também fiz parte de uma lista dos corpos sociais da Santa Casa da Misericórdia e da Assembleia da Associação de Cultura Musical de Lousada.”
Como delegada escolar, esteve integrada na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ). Como deixou a Delegação Escolar, continuou na CPCJ como cooptada e até completar 10 anos de serviço. “Foi um trabalho que gostei muito de fazer”, confessa.
“Quero referir dois momentos importantes na vida das escolas e dos alunos: primeiro, fizemos duas idas ao jardim zoológico de Lisboa num comboio fretado para nós; segundo, o projeto proposto pelo nosso Diretor Escolar, ‘Uma Escola, Uma Empresa’, baseado na lei do mecenato – foi um trabalho muito gratificante, visitamos as empresas do concelho que aceitaram a ideia. Terminamos o projeto com uma sessão solene no salão nobre da Câmara Municipal de Lousada com a entrega de um diploma a cada empresário. Orgulho-me muito de ter conseguido este projeto”, refere.
Mais tarde, foi voluntária na Assistência Médica Internacional (AMI), “mas também tínhamos de dar a vez a outros voluntários”, refere. Então, formou-se a Universidade Sénior de Lousada (USALOU) e “era outro serviço que eu gostava, porque tínhamos aulas. Mais recentemente aceitei ser presidente”, revela.
“Nunca fui uma pessoa aventureira, mas gostava de ter sido. De viajar pelo mundo. Nunca fui pessoa de me enervar”, expõe, acrescentando que foi aceitando todas as alterações que as mulheres foram conquistando. No entanto, “ainda falta muito para conquistar”.
“Enquanto não houver o Dia Mundial da Mulher, não é de descansar. Mas mentalidades não se mudam facilmente.”
Sempre gostou de ser mulher e acredita que “todas as mulheres deviam saber ser mulheres”. “Enquanto não houver o Dia Mundial da Mulher, não é de descansar. Mas mentalidades não se mudam. Vamos vendo se ao Dia Internacional da Mulher se vai juntando mais algum país. Porque sabemos que a mulher é muito maltratada em muitos países”, lamenta.
Não deixa nada por fazer e admite: “agora estou numa qualidade de vida, mas, se for preciso, e se não for preciso muito do meu tempo, eu aceito o desafio. Ainda continuo a ser mulher”, demonstra.