Opinião de Pedro Araújo
Escrevo este texto porque fiquei impressionado com o número de pessoas que acredita nas mentiras do Chega do Sr. Ventura, a avaliar pelo resultado que conseguiu na eleição presidencial. Antes das minhas reflexões sobre esse fenómeno, aqui ficam três conjuntos de dados: em 2017, os “portugueses que não trabalharam” custaram ao país €350.000 (trezentos e cinquenta mil euros); no mesmo ano de 2017, Portugal pagou, como juros da dívida pública portuguesa, mais de €7.000.000.000 (sete mil milhões de euros); nesse mesmo ano de 2017, a fuga de impostos em relação ao IVA no nosso país foi calculada em €2.000.000.000 (dois mil milhões de euros) pela União Europeia.
Estes dados demonstram claramente, para quem ainda não sabia, que o principal argumento do líder do Chega é completamente falso. Diz ele que está revoltado porque anda “meio país” (os que trabalham e que ele supostamente quer representar) a trabalhar e a descontar para “a outra metade” (os que não trabalham). Em primeiro lugar, a matemática do Sr. Ventura está errada: os que receberam subsídios não eram metade dos portugueses, eram cerca de 250 mil pessoas e custaram menos de meio milhão de euros em 2017, o que é uma gota de água no nosso Orçamento de Estado (OE). Estes dados estão disponíveis em www.pordata.pt.
Em segundo lugar, a comparação entre os dados apresentados é absolutamente esclarecedora. Fazendo as contas, o que nós pagamos só de juros (mais de 7 mil milhões de euros), pelo dinheiro que emprestaram a Portugal em 2017, é cerca de 20 000 (vinte mil, é verdade, vinte mil!!!) vezes (!!!) o que gastamos com o Rendimento Social de Inserção. E os 350 mil euros do RSI foram parar, na esmagadora maioria dos casos, às mãos das pessoas mais pobres que viviam em Portugal nesse ano.
Os 7 mil milhões de euros de juros da dívida foram parar às contas dos grandes bancos internacionais, europeus e não só, que nos emprestaram dinheiro, aumentando os lucros milionários dos acionistas desses bancos. É muito estranho que o líder do Chega se preocupe com o dinheiro atribuído aos pobres e não se preocupe com os milhões de euros que os mais ricos do mundo nos levam de juros.
Entendo que devemos pagar todas as nossas dívidas até ao último cêntimo, mas esses 7 mil milhões são só para pagar juros, não a dívida. Estes dados estão disponíveis na “Nota Mensal sobre Dívida Pública, UTAO, Assembleia da República, dezembro, 2017, em www.parlamento.pt .
Em terceiro lugar, a comparação do Sr. Ventura entre o país que “trabalha” e o país que “não trabalha” também é muito infeliz porque alguns dos que trabalham e deviam pagar IVA conseguiram evitar o pagamento de 2 mil milhões de euros em impostos no ano a que nos estamos a referir (2017). Também é muito estranho que o Chega/Ventura não se preocupe com a chamada “economia paralela” e com a respetiva fuga aos impostos que em 2017 terá representado mais de dois mil milhões de euros e mostre grande revolta por causa de menos de meio milhão de euros distribuído pelos mais pobres. (Ver comunicado de imprensa da EU sobre fuga ao IVA, 2017, em www.ec.europa.eu ).
Regressando agora a 2021, ano em que os dados se vierem a ser muito diferentes dos de 2017 será por causa dos impactos da pandemia, temos uma outra comparação que se impõe neste contexto. Devemos comparar o meio milhão de euros que vamos gastar este ano para atribuir RSI aos mais pobres com os mais de cem milhões de euros que a EDP resolveu não pagar em impostos, através de um “esquema” de engenharia financeira, relativos à venda de seis barragens no Douro.
Esses cem milhões de euros vão servir para que os donos da EDP, maioritariamente estrangeiros, fiquem ainda mais ricos e que Portugal fique bastante mais pobre. E o que disse o Chega/Ventura sobre isto? Nada. Mais uma vez é muito estranho que se preocupe com o dinheiro do RSI para os mais necessitados e que não se preocupe com um roubo descarado, provavelmente bem arquitetado por advogados “especializados”, de cento e dez milhões de euros, como muito bem denunciou o Bloco de Esquerda. Esses cento e dez milhões de euros davam para pagara o RSI, com os valores atuais, durante duzentos anos!!!! Leram bem: duzentos anos!!!
Como calculam, eu estou muito mais perto dos que denunciam estas situações do que do Chega e de todos os que “assobiam para o lado”, incluindo o Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática, quando estão em causa desvios desta grandeza. Como calculam, eu sou dos que se preocupam mais com “questões” que representam sete mil milhões por ano, ou dois mil milhões de euros por ano, ou cem milhões de euros de uma só vez, do que com a “questões” que representam meio milhão de euros no OE.
Como calculam, eu sou dos que se incomodam mais com a “distribuição” de muitos milhões de euros aos acionistas de grandes multinacionais, subtraídos com habilidades financeiras ao nosso Orçamento de Estado, do que com a “distribuição” de meio milhão de euros a gente pobre. Julgo que os milhares e milhares de trabalhadores, bem como as milhares de micro, pequenas e médias empresas que contribuem para o nosso OE deveriam estar preocupados com estas questões e não com outras.
Resumindo: já Chega de mentiras! Não anda metade do país a trabalhar para a outra metade! A nossa triste e pesadíssima verdade é esta: anda o país inteiro, pelo menos os que pagam regularmente os seus impostos, a trabalhar para que os donos de algumas empresas ou grupos internacionais dos países mais ricos fiquem cada vez mais ricos. E todos os que podiam resolver estas questões que realmente nos empobrecem (abusos como o da EDP, fuga aos impostos, corrupção, usura internacional, etc…) e não resolvem, como os políticos, todos os que deviam denunciá-las e não denunciam, como os jornalistas, estão a ajudar o Sr. Ventura a crescer… Eu estarei sempre no polo oposto.
Bravo.
As contas da luz da EDP e ,IBERDROLA nunca vieram tão altas como este ano.
Pouco gasto.
Reclamo e eles respondem que é o valor real
Ando a alimentar estes larápios.
Estas é que são as verdades! Excelente análise da real intenção do chega: proteger os ricos, que os financiam, e atacar os pobres. Só não vê quem é cego ou ignorante. Parabéns, Pedro Araújo. Também estou do lado oposto ao desta gente.