Pelo segundo ano consecutivo, a Páscoa vai ser vivida de forma diferente. Sem procissão de Ramos, Vias-Sacras na via pública, Procissões dos Passos ou da Semana Santa, Visita Pascal e outras Saídas da Cruz. Este ano, são apenas esperadas as tradicionais celebrações eucarísticas alusivas à Páscoa, como a missa de Ramos, o Tríduo Pascal e a eucaristia do domingo da Ressurreição.
Em 2020, a Igreja Católica foi obrigada a cancelar toda a sua atividade Pascal ou transformá-la em transmissões online da eucaristia para respeitar o recolhimento a que estavam sujeitos.
Viver a Páscoa sem os tradicionais rituais, José Lemos, pároco de Santa Eulália, em Vizela, e Santo Estêvão de Barrosas, em Lousada, considera que é “um bocadinho estranho para o nosso povo, porque embora não seja fundamental para a celebração da Páscoa, o nosso povo admirava muito e por isso chamarem ao compasso praticamente a Páscoa”.
“Não havendo compasso não há Páscoa, mas celebraremos a Páscoa com toda a profundidade, toda a dignidade, toda a alegria própria desta maior festa do ano que é a festa da Morte e Ressurreição do Senhor. É estranho para as pessoas, e para mim também, de alguma forma estava habituado a isso, mas sou daqueles que é capaz de ver aquilo que é fundamental na Páscoa e o que é acidental”, reflete.
“Outros serão capazes de ver que haverá festa e alegria, que a Páscoa é mais do que isso e reconhecerão que a nós, cristãos que acreditamos naquilo que é fundamental, Jesus Cristo não é só o compasso.”
Padre José Lemos
O pároco confessa que “para alguns a Páscoa seria só a visita Pascal e alguns vivem tristes com isso. Outros serão capazes de ver que haverá festa e alegria, que a Páscoa é mais do que isso e reconhecerão que a nós, cristãos que acreditamos naquilo que é fundamental, Jesus Cristo não é só o compasso, que não está só na cruz que vai a sua casa bem enfeitadinha. Descobrirão que esse Jesus está vivo, é isso que é fundamental”.
Para viver este momento com a maior entrega possível, as paróquias vão resumir toda a atividade na Igreja, “sem deixarmos a mesma bênção de que a cruz é o sinal que Jesus Cristo quer fazer chegar ao povo, e vamos procurá-la com a armação das cruzes que vamos expor na Igreja Paroquial e fazer entrar solenemente no momento do cântico do Glória. Depois haverá veneração às várias cruzes que irão para a porta da Igreja”, relata.

Por sugestão do Bispo do Porto, Manuel Linda, no seguimento da iniciativa tomada na Páscoa passada, de dar a bênção a toda a diocese sobre o Rio Douro, na Ponte Luís I, “sugeriu-nos, a nós párocos, para que fizéssemos o mesmo e estou a pensar em fazer isso no adro das igrejas”, revela.
A mensagem que deixa ao seu povo é “de muita esperança, de não desanimarmos, sermos preventivos, usarmos tudo aquilo que é necessário para a nossa segurança, que não é por mania dos nossos governantes, é porque tem de ser, é para nosso bem. Devemos sonhar com dias melhores e com uma Páscoa, que se não pode ser de outra maneira, que a celebremos sobretudo naquilo que é o grande sinal da Ressurreição de Jesus, que é a fraternidade, solidariedade, estarmos uns com os outros e que neste dia não haja gente isolada e gente só. Que nesta Páscoa haja o estar junto do irmão”.
Unir paróquias para celebrar a Páscoa
Para André Aguiar, pároco de Caíde Rei, Lodares e Meinedo, viver a Páscoa desta forma “é extremamente duro, porque o compasso envolve muita coisa. Faz parte da nossa tradição, não só religiosa, partilharmos a alegria da reunião familiar com aqueles em que o compasso é o motivo do encontro. Podemos não ligar muito à religião na nossa vida quotidiana, mas todos apreciamos os gestos, os sinais, as tradições que fazem parte da nossa vivência religiosa ainda que pueril”.
“Por isso, perde-se sempre alguma parte da alegria pascal. É uma pena não nos podermos deslumbrar com os arranjos florais, autênticas obras de arte, às portas de tantas casas que convidam aquele grupo de cristãos vestidos a rigor com opas, e que ao toque da sineta, marcam uma presença alegre pelas ruas. Esta bonita tradição do Compasso Pascal terá de ser recuperada para o ano com tripla alegria!” afirma.
Esta nova forma de viver a Páscoa poderá vacilar a fé? O pároco acredita que esse impacto “dependerá sempre de pessoa para pessoa e como temos pessoas com vivências de fé muito diferentes, certamente haverá vários impactos diferentes possíveis. É para nós fácil de entender que tudo na vida que nos é importante precisa de ser bem preparado. Basta cada um de nós pensar naqueles momentos importantes da nossa vida, seja no campo religioso, vida social, vida afetiva ou mesmo desportiva, e pensar no cuidado que tivemos ao preparar cada um desses eventos. Com a Páscoa, esse período de preparação é a Quaresma. Este ano, tivemos muito pouco tempo para nos prepararmos comunitariamente e isso pode ter consequências na vivência destes 50 dias que dura a Páscoa. Pessoalmente, espero que a celebração da Páscoa nesta nova realidade nos ajude a manter o ânimo e a aumentar a vontade de, para o ano, sem pandemia, e quando tudo voltar ao novo normal, recuperarmos aquilo que nos foi privado este ano com uma alegria ainda maior”.

Como pároco, este ano ficou por fazer “a procissão de Ramos neste Domingo de Ramos na Paixão do Senhor, nas paróquias, com as crianças da catequese todas. Gostaria de ter tido a possibilidade de levar o meu ramo de oliveira benzido e dar um beijo à minha madrinha para poder reivindicar as amêndoas no Domingo de Páscoa. E gostaria de percorrer as ruas no Domingo de Páscoa nas minhas paróquias a acompanhar uma equipa de um compasso, durante todo o dia, como faço todos os anos desde que sou pároco”, lamenta.
Este ano, as celebrações serão celebradas interparoquialmente de forma a “não andar a multiplicar celebrações no mesmo dia, ou em vários espaços celebrativos, fiz a opção pastoral de concentrar num único local todas as celebrações pascais e as comunidades paroquiais. Torna as coisas mais simples organizativamente e possibilita a celebração com calma, dignidade e qualidade que poderia ser difícil para uma ou outra paróquia individualmente”, reflete.
“Há 2 anos ninguém pensou que fosse possível termos as igrejas fechadas e tudo adiado, aproveitem a possibilidade que a vida vos dá.”
Padre André Aguiar
Para que as Eucaristias não sejam tão longas, será também omitido o ritual de “lava-pés”, o ritual da introdução dos Santos Óleos e a distribuição da comunhão nas duas espécies, apenas o pároco poderá beijar a cruz, o Precónio Pascal (Vigília Pascal) será proclamado ao invés de cantado e haverá menos leituras.
O pároco lembra os cristãos para que “não percam esta oportunidade de celebrar os mistérios pascais junto do seu pároco e na família de famílias que é a paróquia. Há 2 anos ninguém pensou que fosse possível termos as igrejas fechadas e tudo adiado, aproveitem a possibilidade que a vida vos dá. Apesar de não ter havido os encontros agendados vicarialmente para a celebração do sacramento da reconciliação, uma vez que se trata de um sacramento individual, o podem agendar com o seu pároco.”
“Em nome dos vossos párocos, obrigado por toda a dedicação, compromisso e serviço paroquial nestes tempos estranhos em que vivemos. Apenas uma comunidade que se empenha na fé, na esperança e caridade, que procura viver na comunhão e corresponsabilidade com o seu pároco consegue ser uma igreja viva, fecunda e generosa. Não se esqueçam que felizmente, para nosso alento, ensina-nos a sabedoria popular que, ‘não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe’”, termina.
Formas diferentes, mas a mesma intensidade
Dias diferentes obrigam a formas de viver a Páscoa diferente, porém, para Paulo Godinho, pároco de Boim, Cristelos, Pias e Silvares, isso não significa “menos intensamente”.
“O tempo presente não permite que mais uma vez aconteça a Visita Pascal, mas a Páscoa acontece, por isso, vive-se, experimenta-se e celebra-se, esperando que no próximo ano as campainhas nas ruas se ouçam, as portas das casas se abram e a visita Pascal aconteça. Até lá, aproveitemos viver esta Páscoa com intensidade.”, reflete.

O facto de, nesta altura, regressarem as Eucaristias presenciais, é uma oportunidade e algo que considera “como essencial na vida que só me e nos faz bem”. O pároco defende que “necessitamos de nos ver, de nos encontrar, de cruzar olhares, de partilhar momentos e lugares, de rezar juntos, de experimentar a fraternidade como algo que hoje mais do que nunca consola e conforta. E, este ano, termos a possibilidade de viver as celebrações da Semana Santa de modo presencial, ainda que condicionadas a todo um conjunto de recomendações, permite experimentar o sentido de Igreja enquanto família que se encontra para celebrar e agradecer o Dom da Vida”.
“Espero e desejo que esta nova realidade de viver a Páscoa e o todo da vida, intensifique esta adesão a Deus e aos outros, este cruzar permanente de olhares e de corações e que provoque a sede do desejado.”
Padre Paulo Godinho
As consequências destes tempos, pensa, apenas perceberemos no momento a seguir. “Mas partilhando algo que tenho vindo a pensar mesmo a partir de mim enquanto cristão que sou também, digo que espero e desejo que esta nova realidade de viver a Páscoa e o todo da vida, intensifique esta adesão a Deus e aos outros, este cruzar permanente de olhares e de corações e que provoque a sede do desejado, que não acontece hoje, porque não é possível, mas que queremos e cremos que aconteça num amanhã próximo”, refere.
“Este tempo trouxe a preocupação forte e intensa pela vida, na luta pela vida e na preocupação pela mesma…isto é também viver a Páscoa de Jesus, isto é também concretizar e viver o Evangelho. Deste modo, prefiro alimentar uma visão otimista que me permita testemunhar esta certeza de que estamos juntos”, manifesta.
Também nestas quatro paróquias a Páscoa será um pouco diferente do habitual: “vai ser vivida com a mesma intensidade de sempre, porque a Páscoa por si já é um momento intenso e cheio de significado. É óbvio que sob o ponto de vista da orgânica dos dias, Tríduo Pascal e Domingo de Páscoa, e afins, será diferente do ano passado como é natural, mas também diferente do ano 2019 e anteriores”, exprime.
“As celebrações em si terão as respetivas adaptações litúrgicas com a omissão de alguns gestos ou a simplificação de certos momentos, conforme a situação atual nos exige, já que procuraremos como sempre garantir o cumprimento de todas as recomendações dadas. Este ano, e pensando nas pessoas e na oportunidade de celebrarem o Tríduo Pascal, irei nas comunidades, que me estão confiadas e que me orgulho de ser Pároco, Boim, Cristelos, Pias e Silvares, proporcionar nestes dias mais celebrações sem perder o sentido interparoquial, para que as pessoas se possam distribuir”, testemunha.
Embora pudesse deixar diversas mensagens, o pároco prefere utilizar palavras “que nunca estão gastas quando o que está em causa é a nossa vida: estamos juntos, não deixeis que nada nem ninguém vos roube a esperança. Somos felizes de verdade quando amamos a nossa vida, e amamos a nossa vida de verdade quando fazemos dela uma dádiva entregue e partilhada por e com amor. Vamos em frente, juntos, vale a pena o esforço, a dedicação e o sofrer quando o que nos move é o amor e o desejo sempre de amar. Isto é a Páscoa…que ela seja santa e vivida”, termina.