Vida dedicada ao desenvolvimento da agricultura
Nascido em 1947, na cidade de Bragança, foi engenheiro de profissão, esteve ligado ao associativismo e à política local. Casou-se com uma lousadense e mudou-se para Lousada em 1977, depois de cumprir os anos obrigatórios na tropa. Hoje reformado, José Morais Fernandes mostra-se disponível para ajudar tudo e todos.
Engenheiro técnico agrário, fez da agricultura a sua vida com a missão de ajudar o outro. José Joaquim Morais Fernandes define-se como uma pessoa que se dedica aos outros e, na sua profissão, regia-se sempre por essa máxima. Trabalhou como Engenheiro em particulares, por conta própria e no Ministério da Agricultura até se reformar.
“Aquilo que eu fazia no Ministério como técnico agrícola foi sempre ajudar agricultores e havia sempre uma frase que eu lhes dizia, porque havia sempre duas situações: incentivar e fiscalizar, que eu não me recusava, mas andava lá próximo, porque se eu estou aqui para ajudar, como é que depois eu posso vir fiscalizar. Eu dizia aos agricultores: ‘quando virem que estou aqui para prejudicar, não precisam de mim para nada, precisam de alguém que os ajude’”, afirma José Morais Fernandes.
Por isso, acredita que essa tenha sido a função que melhor desempenhou. “Penso que foi essa a melhor função durante o meu percurso, independentemente de todo o trabalho extra”, confirma.
Casou em 1972, em Angola, e em 1977 mudou-se para Lousada. Hoje, pensa que Lousada é, no Vale do Sousa, a terra que se manteve melhor. “Todas as outras, com aquelas grandes torres, só desfiguraram as terras, Lousada manteve-se. Andou atrasada muitos anos, os outros já tinham tudo e Lousada não tinha nada, mas conseguiu corrigir esses defeitos e, dificilmente, se encontra um edifício com mais de quatro andares. Há terras completamente descaracterizadas. Só Lousada manteve-se mais ou menos”, lamenta.

Infância passada em Ditadura
É natural de Bragança, numa freguesia entre vinhais e Bragança, mas sempre viveu em Bragança até ser obrigatório o regime militar. “O pai era Guarda Republicano, tem 98 anos. Andei sempre por Bragança. Depois acabei por ir para a tropa, fui porque era obrigatório, mas foi um bom tempo, só pecou pelo excesso, estive lá quatro anos: 1969, 1970, 1971 e 1972”, garante.
Recorda esses tempos como sendo “bons”, explicando que se deve ao facto de “a guerra que havia em Sá da Bandeira era como a de Lisboa, não havia nada. Apesar de termos, num ano, à volta de cerca de 70 mortes”.
José Morais Fernandes estava no centro de instrução e explica que cada companhia que ia de Portugal só levava três pelotões e recebia lá um, com naturais de Angola. Acredita que teve uma infância “espetacular, com uma liberdade total. Cumpri sempre. Também não havia nada do que há agora para nos desviarmos, era apenas o álcool”.
Sobre viver na ditadura, afirma que “fazia o que faziam os outros: passava ao lado. Estávamos perto da fronteira e tínhamos uma ligação muito grande com Espanha. Estávamos sempre ansiosos para ir para Espanha. Uma vez fomos vender café a Espanha, esse dinheiro dava para passarmos lá um bom fim de semana. Na altura, na fronteira, havia a Guarda Fiscal e a PIDE. Um dia estávamos lá na conversa e perguntamos se podíamos passar e disseram ‘não, que os espanhóis a meio da ponte atiram-vos fora’. Mas tiveram azar, que vinham os espanhóis e deixaram-nos passar”.
“Queríamos era festa. Eu devo ter sido um felizardo nesse aspeto. Na minha memória ficou sempre gravada a voz do Manuel Alegre, que ouvia na rádio. Deu-se o 25 de abril e para mim não foi nenhuma novidade, enquanto para 90% dos portugueses a palavra democracia foi uma coisa muito diferente”, garante.
Na sua opinião, “o grande problema que hoje se põe são as denominações esquerda e direita, que deviam ser abolidas, porque se há alguma ideia de direita que vai beneficiar todas as pessoas e os da esquerda votam contra, e o contrário exatamente a mesma coisa. Por isso é que hoje isso passa-me tudo ao lado”, explica.
Concluiu o ensino básico em Bragança e, mais tarde, ingressou na Escola Agrícola de Coimbra, onde iniciou o curso que viria a terminar em Angola, durante o período militar. “Na minha altura, a cidade de Bragança vivia dos estudantes. Havia comércio pequeno e indústria nada. Havia muita gente que alugava quartos e até ofereciam refeições. Os pais mandavam alguns produtos para ficar mais barato. Nas férias, Bragança era uma pasmaceira”, recorda.
A paixão pela agricultura
Nasceu na agricultura e foi na área que sempre manteve um grande contacto. “A agricultura sempre esteve ligada a mim. Foi na agricultura que nasci. Recordo-me quando comecei a tirar o curso, havia muita coisa que já sabia fazer, a única coisa que eu não sabia era os nomes técnicos. As árvores e os animais para mim não tinham segredos”, afirma.
O seu primeiro emprego foi ao serviço da Diamang, em Angola. “Tive um emprego que nunca mais na vida tive. Era uma certa prisão, mas gostei. Foi a minha grande escola, fui lançado às feras. Não era fácil lá entrar, era um país dentro de outro país. Éramos autossuficientes em tudo. No que não éramos, havia uma divisão de aviação que tinha 10 helicópteros e 4 aviões, ou seja, o que não se produzia, ia-se à África do Sul buscar”, lembra.
José Morais Fernandes entrou no Ministério da Agricultura em 1980, ficou colocado cinco anos no concelho de Amarante e, em 1985, foi deslocado para Lousada, onde ficou até à reforma.
O engenheiro explica que “o problema da agricultura é sempre o mesmo”. Embora hoje já não aconteça, “naquela altura todos os indivíduos analfabetos, que não sabiam fazer mais nada, principalmente aqueles que não eram proprietários dos terrenos, trabalhavam na agricultura e não era fácil”.
Por vezes, conta, “brincava com os agricultores e dizia-lhes ‘diz que não sabe ler nem escrever, mas se eu lhe der 10 para pagar 20 diz logo que a conta está errada, mas se for ao contrário diz que não sabe ler nem escrever” e eles riam-se”.
“Foi muito difícil, mas a ideia era evoluir a agricultura. Nessa altura, procurávamos agricultores que servissem e que eles estivessem disponíveis para ser elos para os outros verem como aquele fazia.”
Admite que teve um trabalho muito difícil em manter a agricultura estável, mas o seu grande objetivo era evoluí-la. “Foi muito difícil, mas a ideia era evoluir a agricultura. Nessa altura, procurávamos agricultores que servissem e que eles estivessem disponíveis para ser elos para os outros verem como aquele fazia”, lembra.
“Era aquilo a que chamávamos agricultores guia. Eu ia a uma freguesia, mas não podia ir aos agricultores todos, não tinha tempo para fazer uma coisa dessas. Então tentava arranjar um ou dois agricultores dos mais evoluídos da freguesia a quem eu visitava de 15 em 15 dias onde ele me colocava os problemas que tinha. E ia tentar resolver esses problemas que fossem transversais aos outros agricultores”, explica.
Porém, esse agricultor guia era escolhido à risca. “Tinha de ser um indivíduo disponível para explicar o que fez e como fez. Não como aquele agricultor que me aparecia que dizia assim ‘o meu cunhado tem sempre melhores batatas que eu. Ele lavra e eu vou logo lavrar, ele faz isto e faço logo, e tudo o que ele faz eu faço logo a seguir. Mas há um frasquinho que ele traz que não consigo ver’. Comprava exatamente tudo igual, menos o frasquinho que ele guardava. Esse nunca podia ser um agricultor guia, porque fechava-se e não ajudava os outros”, exemplifica.

“A minha função era mesmo essa”, afirma. Reformou-se em 2010 e pensa que deixou a sua marca e cumpriu o seu objetivo. “Acho que fiz mais ou menos tudo. Senti-me muito realizado. Apesar de ter tirado uma especialidade em culturas arvenses, produção e conservação de forragens, ou seja, alimento para animais, houve sempre uma maior inclinação para a vinha, mais para a vinha do que para o vinho, esse chegava por consequência”, relata.
“Acho que fiz mais ou menos tudo. Senti-me muito realizado.”
O segredo era a constante atualização. “Tínhamos é que nos ir atualizando, porque isto era a melhor coisa que havia, era ser um médico generalista, um médico de clínica geral, que tem que dar conta de tudo. E nós eramos um bocado isso. Não tinha que saber tudo, o que tinha era que dizer ao agricultor para me dar um daqueles problemas chatos para resolver. Falava com o colega especialista e tentava perceber”, explica.
“Não tinha horários para chegar a casa. Dava-me um gozo enorme. Foram bons tempos. Mandei um ofício para a Direção Regional para ver se me arranjavam um especialista em agro-pastorícia, porque olhava para a serra do marão e pensava ‘isto antes teve ovelhas com força de certeza absoluta’ e agora não havia nem uma nem cabras. Passado pouco tempo, apareceu-me lá uma equipa de top a nível mundial”, lembra.
A equipa era composta por quatro veterinários: “andamos juntos uma semana e fiquei quase mestre. Tinha o Dr. Borrego, foi ele que geneticamente inventou o Merino Português, se é que ainda hoje existe, não sei se já deixaram desaparecer a raça. Foi trabalhada por ele através de cruzamentos de genética. Veio também o Diretor Geral da veterinária e mais dois veterinários. Andaram uma semana comigo, corremos o Marão todo. Fiquei com bagagem suficiente naquela semana para dizer aos meus agricultores como eles deviam fazer. Sem ter uma especialidade muito forte, acho que era melhor porque tínhamos de saber de tudo e deu-me um gozo enorme”, orgulha-se.
“Mas acho que fiz algumas coisas boas com os agricultores, que nessa altura é difícil, com esta malta nova é mais fácil”, revela.
A passagem pela política
Durante muitos anos esteve na Comissão Política do Partido Social Democrata, mas acabou por sair. “Estive na Assembleia Municipal durante um mandato. Aquilo não me dizia nada, porque as Assembleias Municipais não me convencem pela forma como estavam estruturadas na época, em 1989”, conta.
“Fui acusado e alegaram, nem sequer fui ouvido, que eu andei a fazer campanha pelo Dr. Jorge Magalhães nos agricultores e isso foi mentira. Hoje podia dizer foi verdade, que já passou, mas não foi. Nunca dei a conhecer a qualquer agricultor, e conhecia-os todos, qual era a minha posição política. Se eles perguntavam, eu dava a minha ideia, agora andar a dizer vota neste, não”, lamenta.
Por isso, foi suspenso durante 18 meses e decidiu sair totalmente. “Hoje continuo a defender esta ideia: acho que as pessoas devem ser simpatizantes dos partidos, militantes não. Se fosse hoje, nunca seria”, comenta.
Desde então, nunca mais foi militante de um partido.
O gosto por ajudar
José Morais Fernandes esteve ao serviço da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Lousada durante 12 anos, que “ainda continua a ser daquelas associações que, neste momento, se não houver mais ninguém, eu ainda estou disponível, porque foi daquelas associações que me marcou. Estive dois ou três mandatos como presidente e nunca vi ninguém com interesses paralelos lá dentro”, recorda.
Para além dos Bombeiros, atualmente é presidente da Assembleia Geral da Adega Cooperativa e Presidente do Conselho Fiscal da Cooperativa Agrícola.
No que diz respeito ao desporto, foi o fundador do Centro Cultural e Desportivo da Ordem, associação que teve início em dezembro de 1976 e foi formalizada em 1977 com o nome de Centro Cultural Casa da Cruz, adotando como símbolo e bandeira a Cruz de Malta, ordem religiosa que caracteriza a freguesia. O terreno onde foi implementado o pavilhão era também da sua propriedade.
“Sempre que aquilo estava um bocado em baixo vinham ter comigo e eu lá ia sempre. Não sou mais inteligente que os outros, se calhar tinha era mais sorte que conhecia os caminhos por onde ir buscar dinheiro para resolver os problemas. Na minha última passagem por lá, penso que deixei aquilo mais ou menos”, conta.
“Queríamos arranjar uma ocupação para os miúdos, mas nesse aspeto tivemos, se calhar, azar. Começou-se pela pior modalidade que se pudesse fazer, que é extremamente cara.”
A ideia da abertura do clube surgiu de forma a ocupar os tempos livres dos mais novos. “Queríamos arranjar uma ocupação para os miúdos, mas nesse aspeto tivemos, se calhar, azar. Começou-se pela pior modalidade que se pudesse fazer, que é extremamente cara. Para um clube no meio rural, sem dinheiro nenhum, não foi fácil. A maioria dos atletas que tínhamos, tínhamos de lhes dar tudo. Nem imaginam como eram os primeiros patins da rapaziada, eram meios feitos artesanalmente”, recorda.
E como os recursos financeiros também eram escassos, “não pagávamos nada a ninguém, nem treinadores. Pagávamos o lanche aos miúdos, do meu bolso. Só arranjávamos subsídios da câmara, principalmente”, refere.
Por onde passa, afirma, “dificilmente volto, fecho a porta. Agora, estou na Adega e na Cooperativa, porque são lugares que não dão muito trabalho, porque direções já não tenho vida para isso”.
Neste momento, não se vê em qualquer cargo de poder, mas está disponível para ajudar. “Ainda hoje há muitos agricultores que me telefonam e eu estou sempre disponível, sem problema nenhum. Não pagam nada. Ainda hoje me aparecem pessoas para eu fazer alguns projetos. Além de técnico aqui, fazia os concelhos todos, porque para se ser jovem agricultor era preciso passar uma declaração atestando que ele tinha trabalhado no terreno. No Vale do Sousa todo era eu que passava essas declarações. Conheci toda a gente e toda a gente me conhecia a mim, a da época, claro, que esta malta nova já não me conhece. Mas se for ao avô ou ao pai conhecem de certeza”, exprime.
Hoje já não faz agricultura em casa, “porque coisas pequeninas não compensam. Vou podando as árvores e plantando. Há um ou dois agricultores que ainda dou um pouco de assistência, mas numa de amizade, já não há dinheiro”, revela.
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