por | 9 Ago, 2021 | Sociedade

“A minha profissão não define o meu género”  

No mundo do trabalho há ainda várias profissões associadas a cada um dos géneros. Ana Santos e José Pedro são dois dos profissionais que não olharam ao género para chegar à profissão. Ana é motorista de pesados, José é educador de infância e, ambos, apesar dos olhares mais estranhos, demonstram, todos os dias, vontade de aprender e aptidão para o cargo que ocupam. 

Depois de um percurso profissional ligado à gestão de um armazém e, aos fins-de-semana, ao setor da beleza, Ana Santos, de 36 anos, decidiu mudar a sua vida. Fez-se à estrada e, juntamente com o seu companheiro, é, desde 2017, Motorista Internacional de Pesados. 

“Foi uma experiência nova. Comecei a pensar que seria uma aventura onde juntamos o útil ao agradável: ganhar mais e conhecer a Europa”, revela. Depois de tomada a decisão, tirou a Carta de Condução de Pesados, o Certificado de Aptidão de Motorista (CAM) e a Licença de Capacitação ADR – para Transporte de Mercadorias Perigosas.

Apesar de só voltar a casa a cada três semanas, em média, garante que “o que estou a aprender agora é uma universidade para a vida toda, desde línguas, à forma de tratar as pessoas, trabalho escritório, contabilista, aprende-se tudo”. 

Ana Santos

“É uma profissão tão perigosa que não nos lembramos que existe o resto do mundo. Estamos sempre tão concentrados nas riscas brancas que nos esquecemos. Depois de conduzir 20 horas por dia, o cansaço faz com que não nos lembramos de nada. Passa uma semana parece que passou um dia”, revela. 

“Ainda há muitos colegas que pensam que as mulheres deviam era estar em casa a lavar a roupa.” – Ana Santos 

Sendo uma mulher, as suas maiores dificuldades são “a higiene e o machismo que ainda encontramos na estrada”, afirma, acrescentando que, durante a pandemia, “foi muito difícil, porque tinha muito medo. Tirando isso, temos as bases onde podemos fazer isso mais tranquilos”. 

Quanto ao machismo na estrada, Ana conta que “ainda há muitos colegas que pensam que as mulheres deviam era estar em casa a lavar a roupa. Quando queremos fazer uma manobra de ultrapassagem e vemos que o colega não facilita, tiramos o pé e simplesmente deixamos ir. Não vale a pena”. 

Apesar de no início trabalharem apenas 10 mulheres na empresa, atualmente são 150. Em Portugal, garante que “ainda há muita gente que pára a olhar e a comentar ‘é uma mulher’, mas na Europa isso já é completamente normal, há imensas mulheres e muitos jovens com esta profissão”. 

“Sinto-me realizada. Adorava ser cabeleireira, tinha um armazém ao meu encargo, dava-me muito bem com os meus superiores, mas decidi fazer esta experiência e senti-me realizada. É uma profissão bonita e muito necessária”, termina. 

Homens em “profissões de mulher” tendem a crescer 

Desde que ingressou no 12.º ano de escolaridade, que se imaginava Educador de Infância. Assim, José Pedro, de 46 anos, ingressou na Escola Superior de Educação (ESE), no curso de Educação de Infância, que terminou em 1997. Atualmente, é Educador de Infância no Agrupamento de Escolas Oeste, com sede em Nevogilde. 

“Fiz o curso e, passado umas semanas, comecei a trabalhar, onde fiquei quatro anos. Mais tarde, mudei de escola, também privada, onde fiquei durante 16 anos. Passados esses 20 anos estava na altura de mudar e enveredei pelo público, em 2017”, conta. 

De acordo com o relatório “Educação em números – 2019”, da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, a taxa de feminidade na educação pré-escolar em Portugal é de 99%. Porém, José garante que “nunca me aconteceu nada negativo”. 

José Pedro

Pertenço ao um por cento de homens no pré-escolar e admite que, “se há alguma sensação, não mais do que isso, e se tive discriminação foi no sentido positivo, ou seja, acabei por ter um percurso de trabalho mais visível e mais valorizado até por ser do sexo masculino e por sermos poucos a exercer essa função. Não tenho questões negativas a associar a isso”. 

“Acho que as pessoas percebem cada vez mais que é importante as crianças terem figuras femininas e masculinas (…) e para as crianças isso é visto com normalidade.” – José Pedro  

“Acho que as pessoas percebem cada vez mais que é importante as crianças terem figuras femininas e masculinas, porque a sociedade é isso mesmo, temos a mãe, o pai, a tia, o avô, por isso, na escola, também fará falta ter o educador e a educadora. Para as crianças isso é visto com normalidade”, refere. 

O educador foi, ainda, um dos primeiros dois educadores a terminar o curso na ESE. “Conheço outros educadores e nunca senti que me olhassem de lado nem que me julgassem por ser homem. Já trabalhei com crianças desde a creche até aos 12 anos e nunca me senti julgado por isso”, afirma. 

Apesar de não sentir qualquer julgamento, “gostava que houvesse mais paridade. Se na nossa sociedade também estamos divididos pelos diferentes géneros, também nas profissões devia existir uma aproximação do que é a realidade. Embora perceba que os interesses são diferentes. Também não estou à espera de ir a uma mina e ver cinquenta por cento de cada género”, termina o educador. 

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