Canto do Saber – Por Eduardo Moreira da Silva
“É um facto conhecido que o botão para fechar a porta na maioria dos elevadores é um placebo completamente disfuncional, aí colocado apenas para dar às pessoas a impressão de que estão de alguma forma a participar, a contribuir para a rapidez do elevador”. É a metáfora que Slavoj Zizek (filósofo) encontra para a participação das pessoas no processo político na contemporaneidade. De facto, quando carregamos no tal botão, a porta fecha-se exatamente no mesmo momento que se fecharia se utilizássemos apenas o botão para andar, o que, em simultâneo, fecha a(s) porta(s). Há um apelo constante dos políticos ao uso deste tipo de botões. No entanto, há sempre algo que fica excluído da democracia participativa, multicultural e tolerante que aparentemente temos.
Zizek afirmou, já na conferência de 1999 que deu origem ao texto «Os direitos humanos e o nosso descontentamento», que esse algo seria o trabalho, tomado como “o trabalho manual por oposição à chamada atividade simbólica”. Portanto, tomado desta forma, ele tornou-se “o lugar da indecência obscena que deve ser ocultada do olhar dos outros”. Na verdade, o processo produtivo que nos proporciona um sem número de objetos essenciais à nossa vida quotidiana baseia-se num exército de milhões de trabalhadores anónimos que transpiram nas fábricas do 3.º mundo, numa invisibilidade que permite ao ocidente anunciar que a chamada classe trabalhadora está a desaparecer. Como se percebeu, se não antes, com a pandemia, é que essa classe desapareceu sim, mas foi daqui. Apercebeu-se, com choque, a nossa parte do mundo, o quão pouco produzimos daquilo que se torna essencial no dia a dia, enfim, da dependência que temos de todo esse trabalho invisível. De repente, a preocupação parece ser maior com a falta de mão de obra, com a escassez de produtos e matérias-primas que vêm de fora, do que com o desemprego – veja-se a presença constante do tema na pré-campanha eleitoral.
Esta invisibilidade não é exclusiva do trabalho feito no exterior, é também daquele que é feito no nosso país, o qual permite que possamos usufruir de um conjunto de circunstâncias que visam tornar a nossa vida mais fácil e mais confortável. Também desta tomamos mais consciência em tempos de Covid e que passam pelos diversos serviços públicos começando pelo Serviço Nacional de Saúde, passando pela educação e por toda uma panóplia de ações que envolveram quer o poder central, quer o poder autárquico.
Vieram à luz, da mesma maneira, todo um conjunto de exclusões do lugar-comum em que a maioria se envolve. Toda uma série de carências que permitem recordar que a democracia, tomada como premissa da igualdade, continua a não ser para todos. Embora a Democracia não seja sinónimo de liberdade ou até de dignidade, ela é concebida como a instituição destes valores e não só. Em tempo de eleições legislativas, a reflexão em torno do que é excluído desta “democracia” que temos, torna-se mais premente, de modo que possamos dispensar uma série de botões que nos vão distribuindo.
Comentários