por | 21 Jan, 2022 | Daniela Leal, Opinião

Pôr os pontos nos is na “ideologia de género”

Opinião – Por Daniela Leal

A sociedade é imbuída numa rede de opressões e privilégios que são tão mais perigosos quanto menos capacidade tivermos de os desconstruir e esclarecer. “Ideologia de género” é uma construção falaciosa que pretende reforçar uma rede de privilégios e opressões heterocisnormativas que continuam a deixar pessoas que não se incluem naquilo que são os padrões tradicionalmente impostos de género e orientação sexual numa situação de vulnerabilidade, violência e exclusão. Acresce aqui a gravidade de tal falácia ser usada como bandeira por algumas forças políticas que, estrategicamente, se dizem “pró-vida”. Contudo, não especificam que a importância que atribuem à vida varia em função da nacionalidade, cor de pele, género, orientação sexual e outras características individuais. Sendo mais específica: a taxa de ideação suicida entre a população LGBTI+ (pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans, intersexo) é cerca de quatro vezes superior à da população heterossexual e cisgénero. Da mesma forma, sabemos que a probabilidade de desenvolver quadros psicopatológicos de ansiedade e depressão é também superior entre a comunidade LGBTI+. O denominador comum destes níveis mais baixos de saúde mental é sempre o mesmo: o estigma social, que se traduz na discriminação e nas microagressões que estas pessoas continuam, todos os dias, a vivenciar na primeira pessoa e enquanto comunidade. Nada fazer para combater esta discriminação e, pior que isso, incentivá-la é ser cúmplice e culpado das suas consequências.

Vale deixar claro que a orientação sexual e identidade de género não são algo passível de ser “ensinado”, “convertido” ou “debatido”. O que tem de ser ensinado é o respeito e a diversidade. O que deve ser convertido é a vergonha em orgulho. Debatido, só o processo pelo qual precisamos (ainda!) de passar enquanto sociedade para garantir a todas as pessoas a liberdade de amar, vivenciar a sua sexualidade, o seu género e apresentarem ao mundo de forma livre e plena. Por isso, parece-me óbvio que a verdadeira “ideologia de género” é a incapacidade de se atualizar cientificamente sobre os conceitos de sexualidade e género e insistir numa visão padronizada, redutora e castradora do que é “ser-se homem”, “ser-se mulher” e viver uma sexualidade saudável. Nem todos os homens gostam de vestir azul, cuspir para o chão e jogar futebol. Nem todas as mulheres pintam as unhas, enchem a casa de velas ou procuram um príncipe. Nem todas as pessoas se reveem nos conceitos de homem e mulher. Nem todos os homens se sentem atraídos romântica ou sexualmente por mulheres, e vice-versa. Explicar isto ao longo do desenvolvimento previne o insulto, o isolamento e a invisibilidade de muitas pessoas. Salva as suas vidas e garante-lhes maior probabilidade de bem-estar psicológico e cidadania plena. Educar é humanizar, clarificar a realidade e todas as suas possibilidades, não é submeter a liberdade de existir aos trâmites conservadores e opressores de uma classe socialmente privilegiada. 

Investir na educação e na ciência é garantir que o discurso de ódio não passará. Não aceitar que alguém se sinta na liberdade de, politicamente, questionar e retirar direitos fundamentais é manter o mundo mais justo, inclusivo e bem governado. 

Não passarão!

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