Serão os jovens os futuros guardiões do artesanato de Lousada?

O artesanato é um modo de produção muito antigo e não está a conseguir sobreviver aos constantes progressos tecnológicos, com alguma amargura de quem este ofício explora. Há quem seja apologista de uma tendência de revivalismo quando se fala nesta arte, porém os quatro artesões que O Louzadense abordou não são defensores desta teoria. O abandono e o esquecimento são palavras proferidas – frequentemente – pelos mesmos. 

No artesanato, o artesão – profissional que produz produtos através de um processo manual – é o único participante desde o início até ao fim do processo de produção. Este projeta, idealiza e concretiza sempre envolvido no amor que o respetivo ofício lhe provoca. 

É digno de se afirmar que o artesão é um artista. A criatividade, originalidade, delicadeza e perícia são expressões que caracterizam por natureza os mesmos. E, consequentemente, acabam por causar um profundo sentimento de admiração daqueles que observam as peças. Assim sendo, dominam todas as fases de produção. 

De ressalvar que a maior parte são peças únicas, resultado de um trabalho manual profundo que pouca ou nenhuma intervenção existe da máquina. Os produtos artesanais distinguem-se dos restantes da mesma categoria seja pela qualidade do material ou do amor empregado – importante em tudo aquilo que se faz. 

A “sede de consumo” como entrave do artesanato

A Revolução Industrial motivou significativas transformações no modo de produção. Naturalmente, iniciou-se uma era marcada pela extensa produção de bens, forte competitividade e pelo consumo exagerado. Após esta, surgiu a globalização que trouxe uma forte integração entre culturas e mercados difundido o capitalismo.

A “sede” de consumo, ao longo dos últimos tempos, caminha em paralelo com o descartável, a dependência, o novo e o desgaste das emoções em bens. Desta forma, entende-se a prática fast (rápido) e, em contraposição surgiu o modelo de slow (lento) que prioriza aspectos éticos e sociais – sobretudo – em todas as áreas que atua. 

O slow fashion, modelo de produção no segmento da moda, surgiu no seguimento de discussões sobre produções conscientes ligadas a soluções sustentáveis. No caso da moda, de modo a promover uma maior consciência socioambiental, a prática do slow fashion dá mais valor ao local em relação ao global, contribui para a confiança entre produtores e consumidores e efetua preços reais que incorporam custos sociais e ecológicos. A produção é também realizada entre pequena e média escalas.

Nesta economia, o consumidor slow é caracterizado por ter fortes valores pessoais. No caso da moda, consomem menos e melhor pois compram um menor número de peças de melhor qualidade.

Laura Meira Coelho, uma das entrevistadas dentro desta área, é profissional de rendas e bordados, sendo os seus trabalhos apelidados como: Bordados Lauri. Esta questão é abordada ao longo de toda a conversa, uma vez que a mesma salienta que o mercado de produtos produzidos à mão se encontra em maus lençóis – como popularmente se diz – devido ao facto da nova geração dar prioridade à prática de fast fashion. Inconscientemente ou não, a qualidade passou para segundo plano. 

Desde pequena que a artista aprendeu a arte de bordar, na medida em que esta já se encontrava na família. Preliminarmente, iniciou a pegar na agulha e a dar pontinhos até que no decorrer dos anos a prática levou-a ao patamar em que o seu talento se encontra. No entanto, no começo não fez disto vida. 

Laura, residente de Macieira, trabalhou bastante tempo numa fábrica de calçado, mas teve que deixar esta atividade devido a um acidente. Após o mesmo, dedicou-se 100% aos bordados. 

O bordado à mão é uma rica representação cultural e humana. Interrogada a partir de que momento a paixão se manifestou, Laura afirmou que a mesma só apareceu quando estava na casa dos 20 anos apesar de conhecer esta arte desde criança. O trabalho que mais prazer lhe proporciona é fazer cortinas, colchas e toalhas para batizado. 

Para Laura, as características que definem um bom artesão, sobretudo na arte em que se encontra, são a curiosidade desmedida por novos modelos e o saber aplicar as cores no lugar correto. “Eu gosto de fazer sempre coisas diferentes e, para tal, procuro vários desenhos além de procurar colocar as cores no sítio certo seja para matizar como para fazer uma flor bonita”, salienta. 

O parecer que a artista tem das suas peças ultrapassa sempre as expectativas iniciais do comprador. E, inevitavelmente, Laura não consegue esconder a felicidade que isso lhe traz. “Quando as pessoas fazem uma encomenda e chegam para a vir buscar e afirmam que está mais bonito do que aquilo que pensavam é uma sensação muito boa”, sustenta acreditando que seja esse o objetivo de quem faz, seja em que profissão, tudo com gosto. 

O gostar é primordial. Hoje em dia, de acordo com esta, não se produz peças por dinheiro pois a arte de bordar já não dá rendimento nenhum. 

“Quem der valor é um trabalho muito bonito e seguro”, salienta. Todavia, o problema encontra-se precisamente nesta questão. Laura não tem dúvidas que as pessoas já não dão valor e, por conseguinte, não querem comprar. O já não se usar é muitas vezes pronunciado como justificação da pouca aquisição. 

Além disto, a artista afirma que o facto de dar mais trabalho a limpar uma casa é também um dos motivos das dificuldades que o setor enfrenta. “Se um bordado estiver sujo, ao arrumar a casa temos que o colocar para lavar e ter outro para o substituir, enquanto que se não tivermos é só passar um pano para limpar os móveis”, ressalta. Laura acredita que as peças bordadas provocam uma diferença abismal numa habitação, sobretudo se houver bastante diversidade. 

“Não vejo boas perspetivas para o mercado de produtos feitos à mão no nosso país”, afirma visivelmente triste. Conforme estas, as pessoas que bordam, fazem bainha e rendas estão a acabar e a atual geração não pretende dar continuidade a esta arte. “Os jovens não querem aprender, encontram-se mais focados noutras áreas ao invés do artesanato, e um dia vão querer produtos diferentes, com uma melhor qualidade e não vai existir ninguém que os faça”, declara. 

Contudo, Laura está ciente que não são só os bordados que se encontram em vias de extinção. “O artesanato manual vai acabar seja cestarias, seja trabalhos em madeira, relojoarias, entre outros ofícios”, finda. 

Laura Coelho
Bordados Lauri

Design e artesanato

Com a alteração dos gostos e dos perfis de consumo, a sobrevivência do artesanato torna-se um desafio difícil. Existe quem ache que uma relação designer-artesão será uma mais valia para enfrentar parte das dificuldades sentidas por este setor. O design é uma atividade fundamental para o desenvolvimento económico e social de um país, numa época de grande exigência do consumidor. 

Todavia, embora as atividades de designer e de artesão estejam interligadas com a produção de objetos, existem variadas diferenças entre estas. Joaquim Gonçalves, proprietário de duas ourivesarias situadas no concelho de Lousada, aborda estes termos. 

O número de intervenientes no processo de produção e as respetivas tarefas são alguns dos elementos que os distinguem. O designer não executa ao contrário do artesão, como proferido anteriormente. Será que o futuro do artesanato passa pelo design? Eis a questão que inquieta. 

Joaquim, um dos poucos relojoeiros em atividade na Vila das Camélias, quando entrevistado acerca da sua arte, não deixa de mencionar todos os profissionais que ensinaram grande parte do que hoje faz. “Tive grandes professores que me passaram os melhores ensinamentos”, sublinha. O mesmo teve que aprender “forçosamente” a ser o mais dedicado e competente possível devido à exigência colocada por todos os mestres que encontrou ao longo da vida. 

Joaquim mostra-se um homem bastante ciente das mudanças que esta arte sofreu ao longo dos tempos. Conforme este, tudo se encontra diferente graças à evolução tecnológica que o novo paradigma de comunicação – individualização – trouxe. Atualmente, a eletrônica é a base. “Tenho saudades da relojoaria de outrora”, afirma. 

“É uma arte de curiosidade”, apelida Joaquim. Tanto na relojoaria grossa como fina é necessário estudar o relógio para descobrir o motivo de certa avaria e, para tal, carece-se de um relojoeiro. Segundo o próprio, hoje em dia, no balcão das ourivesarias encontram-se pessoas que apenas sabem vender, sendo essencial existir alguém que saiba explicar tecnicamente ao cliente aquilo que este desejar. 

Joaquim não tem dúvidas que o ofício de relojoeiro se encontra com muitas dificuldades. Olha com alguma tristeza para o panorama desta arte em Lousada, e como a paixão que antigamente lhe foi passada corre-lhe nas veias, desafia aos devidos competentes/responsáveis que abram cursos de formação nesta área. “A geração que me ensinou já cá não está ou, de certa forma, já está aposentada e um dia não existirá ninguém para conservar esta arte”, salienta. 

A atividade dos relojoeiros está praticamente restrita a consertos de alguns relógios, cada vez mais raros. Joaquim considera que os jovens que se interessam por ourivesaria estão mais focados em tirar o curso de design para criar peças em prata e ouro ao invés de ir para a relojoaria – arte de construir e consertar relógios. 

E se ambos – designer e relojoeiro – se unirem em prol do artesanato? Com o intuito de manter as técnicas artesanais inspiradas nas raízes culturais e acrescentar a tecnologia, o futuro. 

Joaquim com o propósito de combater, consoante pode, o desaparecimento da sua arte ensina algumas coisas ao seu filho embora por muito simples que possam ser. “A formação está a faltar”, sublinha. O relojoeiro acredita que ou este fascínio vem de família ou então será difícil sobreviver. E, é neste contexto, que lança o desafio com o propósito de incentivar a população mais nova. 

Joaquim Gonçalves

O artesanato de memória e tradição

O conceito de tradição está ligado ao ato de transmitir. O artesanato tradicional é fruto de um saber passado de geração em geração. A transmissão acontece nos núcleos familiares e também numa dimensão mais ampla, entre quem ensina e quem aprende. Há tradições muito antigas, que incluem memórias, crenças, costumes, comportamentos de um indivíduo, de um povo ou de uma nação inteira. 

A produção manual de peças está associada aos saberes antigos, na medida que o fazer artesanal era a única maneira de criar soluções para o dia a dia e expressar-se nos tempos arcaicos, antes da revolução industrial. 

No concelho de Lousada, existem artesãos que se preocupam em perpetuar as tradições culturais, tendo O Louzadense entrevistado dois: Arnaldo Vieira e Joaquim Teixeira, artistas de peças em madeira. 

Arnaldo Vieira, natural de Casais, afirma nunca ter feito do artesanato vida, uma vez que, sempre olhou para este como uma distração apaixonante. O artesão foi proprietário de uma empresa de construção civil e, após passá-la ao seu filho, dedicou infindáveis horas à produção de peças em madeira. 

Arnaldo Vieira

A paixão por este ofício surgiu num belo dia de primavera. Arnaldo foi visitar uma feira que antigamente existia em Famalicão e, foi nessa, que observou um senhor a fazer o que posteriormente quis aprender. Certo das suas habilidades não teve receio de se aventurar e explorar. 

“Acredito que tenho arte nas mãos”, sublinha Arnaldo que não possui dúvidas da sua capacidade em realizar qualquer trabalho nas múltiplas vertentes do artesanato. O artesão aprecia todas as artes, porém foi na madeira que decidiu enveredar e colocar todo o talento.

Arnaldo comprou os tradicionais postais que ilustram memórias de uma cidade e, desde então, nunca mais parou. “Eu nas peças que fazia representava o que continha os postais”, salienta. Foram muitas as horas dedicadas à produção de objetos em madeira que fizeram com que este se encontrasse – passados uns anos – cansado e saturado. Consequentemente, após estes sentimentos decidiu abandonar lentamente o ofício que outrora lhe deu muito entusiasmo.  

A concentração e a dedicação que empregava em todas as suas obras levavam-no a esquecer-se – muitas vezes – das horas, chegando a nem fazer as refeições. “Não sentia fome pois a paixão por acabar o trabalho era muita”, declara. As feiras foram palco das suas peças, tendo ganho vários diplomas enquanto artesão devido à qualidade dos seus materiais. 

A maior dificuldade que sentiu ao longo dos anos a elaborar as suas obras deu-se na escolha da madeira certa para criar o relevo indicado. “As peças que mais gostei de fazer foram: a Ponte de Vilela, situada na freguesia de Aveleda, a Igreja do Senhor dos Aflitos e o quadro da Ponte Dom Luís”, sublinha. 

Igreja do Senhor dos Aflitos
Ponte de Vilela, na freguesia de Aveleda

“Antigamente trabalhava-se com gosto, enquanto hoje a juventude já não liga nada aos saberes antigos”, afirma. Arnaldo, é mais um dos artesãos do concelho de Lousada que não acredita que o artesanato se preserve. 

Lousada é terra de gente laboriosa que conserva com bastante estima as memórias e tradições desta. Joaquim Teixeira, habitante de Caíde de Rei, não as descurou em todos os trabalhos que realizou, colocando sempre a alma e o coração. 

Após passar por algumas empresas, o artesão no ano de 1988 decidiu abrir um negócio por conta própria ligado às madeiras – onde se encontra desde o começo da sua atividade profissional. Todavia, nos dias que correm está inativo no que diz respeito a esta arte derivado a um problema de saúde que o impossibilita de exercer aquilo que mais gosta. “Tenho muita pena em não poder trabalhar como outrora já fiz”, afirma um pouco triste recordando as 18 horas diárias que empregava com muito amor ao seu ofício. 

Joaquim Teixeira

A saúde prega-nos partidas e, por conseguinte, somos “obrigados” a abdicar de várias coisas. Para Joaquim, não foi exceção. “A minha paixão era estar dentro da minha oficina durante o dia a fazer o grosso e à noite a trabalhar no fino”, sublinha. Todavia, esta amargura que carrega caminha em conjunto com a aceitação. 

O fascínio de Joaquim passava em trabalhar objetos em escala usando como matéria-prima a madeira, representando sempre as memórias do passado. Diga-se, um artesão apaixonado pelas tradições que procurou mantê-las vivas em todas as suas obras. 

“Eu retratava objetos que existiam na vida dos meus bisavós, dos meus avós e dos meus pais, independentemente da natureza dos mesmos”, salienta. Desta forma, é congruente afirmar-se que as peças de Joaquim espelhavam a realidade. 

Segundo Joaquim, o artesanato está a passar dificuldades graças às multinacionais de origem chinesa que fabricam todas as peças possíveis e imagináveis a um preço mais barato comparativamente ao praticado pelo artesão. No entanto, estas – para um bom apreciador – distinguem-se de várias maneiras, sendo a qualidade uma das diferenças primordiais. 

O maior desejo de Joaquim é ensinar a alguém, que o assim o deseje, toda a sua arte para que esta não desapareça. “O artesão genuíno que inicia e conclui a obra está a acabar”, finda. 

Miniaturas em madeira
Obra em madeira

Na próxima edição, espera-se mais figuras que elevam o artesanato de Lousada, porém em diferentes ofícios. “Serão os jovens os futuros guardiões do artesanato de Lousada?”, eis a questão que guarda uma segunda parte. 

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