“Sou o único tipógrafo dos tempos antigos que se encontra no ativo”
Com mais de meio século de existência, António Vieira perpetua o hábito do papel e da esferográfica na mão. Não é ao acaso que tornou-se tipógrafo e percorreu inúmeras tipografias até alcançar o nível de empresário. Natural de Cristelos, caracteriza-se como um homem espontâneo e ativo. Acompanhe a história deste ilustre artista que rege-se por uma vida marcada pelas associações de cariz religioso, cultural e político.
Como qualquer criança, António frequentou a escola primária onde atualmente se situa a Biblioteca Municipal na Praça Dr. António Meireles. Nesta fez a quarta classe, contudo os seus estudos terminaram por aí – no momento – e foi trabalhar para uma sapataria no Porto. Aos 12 anos, não como qualquer criança, foi obrigado a fazê-lo por necessidade. “Era o que estava destinado para ajudar na manutenção da casa”, principia.
O seu pai era motorista e a sua mãe era doméstica, logo precisou de auxiliar nas despesas em conjunto com os seus três irmãos. “Eu gostava de ter continuado a estudar”, afirma. Dado este desejo, uns anos mais tarde, frequentou uma escola em horário pós-laboral e concluiu o segundo ciclo. Entretanto, ingressou no Colégio Eça de Queirós para fazer a próxima etapa de estudo, mas não terminou.
O lousadense fazia-se andar de papel e esferográfica na mão para todo o lado. Posto isto, a sua mãe atenta e preocupada foi pedir trabalho para o filho numa tipografia existente na Rua de Santo António. “Fui para lá em 1996 e fiquei dois anos”, declara. A sua ambição era aprender mais e, consequentemente, crescer a nível profissional. Desta forma, mudou-se para a Tipografia Jornal de Lousada que se localizava na mesma rua. Todavia, a gráfica mudou para Castelo de Paiva e embora tenha acompanhado a transição decidiu abandonar pois as obrigações para com este não eram cumpridas.
Após abandonar este último trabalho foi para a Cooperativa do Povo Portuense. Os tipógrafos possuíam uma carteira profissional e à medida que realizavam exames poderiam subir de posição. De forma gradual, António prestou algumas provas que se tratavam de exames teóricos para subir de categoria. Uma vez aprovado, transitou de aprendiz para auxiliar, designações do ramo. Todavia, nem sempre as conquistas são bem vistas aos olhos dos chefes. “Comecei a receber um ordenado maior, de acordo com a minha categoria, e fui despedido”, conta.
Assim sendo, ficou desempregado e regressou à sua terra natal. Aberto a qualquer trabalho, aventurou-se numa ourivesaria de um vizinho a vender pulseiras e relógios nas feiras, porém, a sua vontade não passava de todo por esta área. Arregaçou as mangas e começou a procurar tipografias perto da sua zona de residência. No meio da sua busca encontrou a Tipografia Germana em Penafiel e foi trabalhar para lá numa perspetiva de substituição de um funcionário.
Devido a essa condição ficou novamente desempregado, mas de imediato arranjou emprego através de um indivíduo que trabalhava na Gráfica Pacense. Durante nove anos foi encarregado desta, mas ao contrário do que aconteceu no início a sua presença deixou de ser agradável. “Quando entrei era o braço direito do patrão e depois a uma determinada altura o meu valor foi desconsiderado”, relata a situação que o levou a despedir-se da entidade.
Após esta longa temporada mudou-se para uma Tipografia Popular em Freamunde onde permaneceu dois anos. A sua passagem terminou mais cedo que o previsto devido a um convite de um colega de trabalho. “Ele viu as minhas capacidades e incentivou-me a abrir uma gráfica em conjunto”, sublinha. Assim foi, desde então a sua vida de empresário começou e continua até aos dias de hoje.
Juntos abriram a Tipografia AZ, contudo ao final de três anos decidiu arranjar uma pessoa para ficar com a sua respetiva parte. “O meu sócio não era a pessoa mais correta”, reforça. A sua vida de proprietário continuou e decidiu abrir uma empresa em nome individual, mas devido ao seu volume de faturação ser abastado a sua mulher tornou-se sócia do negócio. Desde 2002, possui a AVIGRAF – Indústria Gráfica.

“Sou o único tipógrafo dos tempos antigos que se encontra no ativo”, confessa. Coincidência ou não, a sua atividade profissional apesar das inúmeras voltas que deu rege-se à Rua de Santo António. O caminho foi longo, mas começou e irá terminar no mesmo sítio de sempre.
Explanada a sua atividade profissional no processo de criação, composição e impressão de um texto, António Vieira abordou a sua presença nas mais variadas associações. Em 1990 foi membro do Núcleo de Lousada da Cruz Vermelha Portuguesa, onde pertenceu à direção como secretário. “Entretanto extingui”, afirma.
Depois deste acontecimento foi sócio fundador juntamente com outras personalidades da Associação Recreativa Santo André, em Cristelos. Esta albergava várias atividades, porém, não abrangia o desporto devido a ser bastante dispendioso. “Fizemos vários eventos bons para a freguesia”, salienta. Durante três anos, de 2007 a 2009, foi membro da Comissão de Festas em Honra do Senhor dos Aflitos, tendo a seu cargo a organização das Marchas Luminosas.
Em termos culturais, pertenceu ao Rancho Folclórico “Flores da Primavera” situado em Nespereira onde desde 2002 a 2009 tocou cavaquinho e, posteriormente, viola. Atualmente, é elemento do Rancho Folclórico de Nogueira, tendo iniciado em 2018 também como tocador de viola.
António fez parte de um grupo de música tradicional portuguesa onde tocava viola, no entanto este já não se encontra no ativo. Após sair deste formou com outros elementos o “Sons da Eira”, com o mesmo propósito. Através destes representou Lousada na BTL- Lisboa, em programas da RTP e em romarias por vários pontos do país.

A música é uma paixão sua, embora não tenha formação musical devido a desleixo, segundo afirma o próprio. “Cheguei a aprender com alunos da Banda Musical de Lousada pois na época davam formações gratuitamente com o objetivo de angariar pessoas”, conta. Apesar de ter retido certos conhecimentos, decidiu não prosseguir.
O lousadense aprecia todo o estilo de música, mas a popular é o seu fascínio. Através desta sente-se mais vivo pois identifica-se mais com o seu ser. “Quando ouvimos o Quim Barreiros, por exemplo, começamos logo a dançar, ou seja, a música tradicional mexe muito mais”, sublinha.

A nível político, é elemento do executivo da União de Freguesias de Cristelos, Boim e Ordem. Corria o ano de 2009 quando recebeu um convite devido a ser uma pessoa dinâmica e espontânea para integrar uma lista para a junta. Na altura não ganhou, mas em 2013 foi vitorioso onde continua até aos dias de hoje. Inicialmente, na oposição, depois como vogal do executivo e agora como segundo secretário.
Na atividade religiosa é um membro ativo desde os 20 anos. Esteve sempre ligado a grupos religiosos na paróquia de Cristelos e nesta foi catequista durante 28 anos da sua vida. Além do mais, foi animador do grupo de jovens, cantor e leitor. Desde 1996 desempenha a função de ministrar a Sagrada Comunhão.

António Vieira adora lidar e ensinar crianças, dado isso encontra-se ligado ao Núcleo de Imprensa de Lousada onde colabora em demonstrações aos jovens. Ademais, como referido anteriormente, ensinou ao povo de Deus os conteúdos fundamentais da doutrina católica.
“O movimento associativo representa uma associação de pessoas para pessoas, nos vários ramos de atividade”, afirma. Posto isto, acredita que todos os indivíduos deveriam passar por uma associação porque ganham outros valores, nem que seja uma vez na vida. “Ninguém imagina e tem perceção da dificuldade de delegar”, reforça.
No final da entrevista, confidencia que escrever é a sua paixão, tendo publicado o livro “Coisas e Loisas” em 2001. No entanto, possui outros já escritos que não foram lançados como: “Ser”, “Amoras Silvestres” e “60 e tal anos de mim”. Neste último livro evoca umas palavras sobre si, passando a citar: “Numa existência de vida com pouco mais de meio século (…) julgo ter feito uma caminhada digna e fiel aos meus princípios, ao ponto de pelos meus atos considerar-me: modesto na apresentação, pela tendência de uma elegância média; indisciplinado no humor e nas relações, por me julgar divertido e um pouco impaciente e impulsivo; reservado nas atitudes a tomar, medindo sempre que possível os prós e os contras; (…) sonhador e ambicioso nos gostos e na conceção da vida, pois é real o desejo de mais possuir e melhor usufruir do que for possível alcançar; capacitado e útil, pelo gosto da liderança, quando ligado a movimentos ou ao associativismo (…)”.

Deste jeito, conclui-se que mais nada se pode acrescentar sobre este Grande Louzadense a quem a edição de 11 de agosto privilegia.
Comentários