Canto do saber
O Estado, como uma organização alienada eficiente, é algo muito confortável. Uma organização que possa suprir todas necessidades básicas da contemporaneidade, como por exemplo o abastecimento de energia, distribuição e tratamento de águas, saúde, educação, e outros, é de uma utilidade extrema. Esta ideia, tão agradável, formulada por Slavoj Zizek – conhecido filósofo – coloca em evidência a despolitização do poder político. Com efeito, o nosso interesse tende a concentrar-se sobre a resolução de problemas conjunturais do tipo dos elencados acima: não há nenhum interesse na discussão sobre a resolução, apenas na resolução propriamente dita. Assim, o poder político cede à gestão das ansiedades do dia a dia das populações: os políticos administram expetativas. Embora se possa ainda enquadrar esta atuação no âmbito da política, a verdade é que o conceito de política , a que muitos se habituaram, o qual diz respeito à capacidade visionária de gerar estratégias de longo alcance para condução dos destinos das comunidades, está , cada vez mais, arredio. O processo democrático é prejudicado na medida em que a sensação de desconforto deixa de existir, isto é, a partir da perceção incutida nas comunidades de que se está ali numa missão incansável para as servir. Se o que nos pode causar constrangimento aparece mitigado, nem que seja pela ilusão de que não se pode fazer mais nada, para quê preocuparmo-nos com a política ?Daqui até à eternização no poder é um passo. Algo que, muitas vezes, nem com a própria limitação de mandatos se consegue combater: mudam-se os atores nos cargos , mas mantém-se os processos de conservação do poder. Estes processos, obviamente que são avessos às novidades geradas fora do seu enquadramento, portanto, algo só é válido quando criado a partir da opacidade profunda dos detentores do poder ou a partir do exterior à comunidade dominada, desde que não exponha e ,até ,contribua para a tal opacidade.
Ora, um dos meios de revitalização da democracia é, justamente , a existência de instituições civis fortes. Estas instituições tendem a defender os interesses dos seus associados. No entanto, tal não é , necessariamente, inadequado, desde que sejam independentes do poder público. Pelo contrário, a tensão introduzida pelas ações bem sucedidas de algumas podem levar ao aparecimento de outras com o mesmo tipo de capacidades. Trata-se de colocar o foco em acrescentar e não em debater. Não se pode continuar a insistir no debate: este foca-se,na maior parte das vezes , sobre as duas faces da mesma moeda – nada se acrescenta.
A democracia necessita do aspeto agonístico, da tensão que origina algo novo. O novo cujo destino é o da ruína – a que mostra a sua presença – suporte a outro novo e por aí adiante. Qualquer conjunto de pessoas com algum tipo de interesse comum, deve agremiar-se em volta desse interesse . Uma instituição criada desta forma deve ter como princípio basilar a independência face ao poder público e a ambição suficiente de gerar força, isto é, poder. Não se trata de contrapoder, mas sim de geração: capacidade de impulsionar o processo democrático em ordem a produzir ou, se assim o quiserem, reintroduzir, a politização na vida quotidiana de todos aqueles que pertencem à comunidade.
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