A retirada de apoio financeiro da Direção Geral das Artes (DGArtes) à Jangada Teatro (sediada no Auditório Municipal de Lousada), está nos planos daquele organismo do Ministério da Cultura. Não é uma decisão definitiva, pois a companhia teatral decidiu contestar e aguarda resposta ao recurso apresentado. Esse veredicto deverá chegar por estes dias e até lá a ansiedade e a angústia assolam os estados de espírito sobretudo naquela companhia de teatro, mas também na comunidade local e regional.
A Jangada é uma companhia profissional de teatro com um desempenho reconhecido por todos como exemplar ao longo dos seus 23 anos de existência. Tanto assim é que recebe apoio daquela entidade desde 2004. Trata-se da única companhia profissional desta região, mas nas regiões limítrofes também outras companhias (Filandorra e Astro Fingido) tiveram chumbos da DGA, pelo que esta exclusão dos apoios sustentados é um golpe profundo para um território com muitas fragilidades, fraco rendimento económico e carências sócio-culturais.
Relembramos que, para além de criação artística, a Jangada Teatro realiza dois festivais internacionais de artes do espetáculo (Folia e Foliazinho), que em muito contribuem para a literacia artística e cultural da população desta região.
Como acontece a cada quatro anos a companhia lousadense apresentou uma candidatura para financiamento à criação teatral, com um projeto denominado “Personagem Feminina: Género e Géneros”, para o quadriénio 2023-26, comportando um montante global de cerca de 960 mil euros divididos por 240 mil euros anuais. A candidatura obteve uma classificação (74.37%), portanto suficiente para ser financiada, segundo o regulamento do concurso, mas ainda assim não suficiente para o júri, que atribuiu notas bastante superiores às companhias que entendeu apoiar.
Em entrevista ao Louzadense, a produtora Ana Luísa Fernandes refere que ”não estando proposta para financiamento por parte da DGArtes, a Jangada vê comprometidos os postos de trabalho dos seus trabalhadores, correndo o sério risco de ter de encerrar definitivamente a atividade, que vem a realizar desde o ano de 1999”. Estão em causa nove postos de trabalho, além da produção teatral que a Jangada vem habituando escolas, municípios, festivais e outras entidades e certames.
“Procedimento viciado”
Aquela representante da companhia salienta a discrepância regional dos apoios: “da Região Norte, são propostas para apoio somente 14 das 18 companhias candidatas, equivalente a 26,56% do montante total. Em contraste, todas as 19 companhias da região de Lisboa foram propostas para apoio”.
Ainda no concernente à questão regional, a produtora contesta que “o montante previsto para apoiar as companhias lisboetas equivale a 43,9% do apoio total, ultrapassando o limite de 40% estabelecido no Aviso de Abertura da própria Direção Geral das Artes”, argumento que é usado no recurso apresentado para contestar o chumbo à candidatura da Jangada. Nesse recurso a que o Louzadense teve acesso lê-se a dado passo: “a Área Metropolitana de Lisboa recebeu uma percentagem de 43.9%, isto é, foi atribuída a essa região um valor de 5.620.000€, quando o máximo previsto seria 5.120.000€. Ora, se esta regra tivesse sido cumprida, como se impunha, desde logo haveria um diferencial de 500.000€ entre os dois montantes. Assim, facilmente se constata que a candidatura da Associação Lêndias de Encantar e a da Jangada Cooperativa de Teatro Profissional, C.R.L. teriam sido contempladas com as verbas que em tempo útil solicitaram”.
Diante disto é argumentado pela companhia que “não podemos deixar de considerar que este procedimento se encontra viciado, desde início, numa das suas premissas mais básicas”.
Igualmente alvo de contestação está “a violação do princípio de igualdade de oportunidades relativamente às restantes companhias, pois a Jangada teatro submeteu a sua candidatura a 29 de junho de 2022, portanto dentro do prazo inicialmente previsto, mas por ter havido prorrogação de prazo de entrega até 5 de julho de 2022, a Jangada solicitou à DG Artes, a reabertura da candidatura na plataforma, mas esta pretensão não foi atendida”. Para Ana Luísa Fernandes, “esta prorrogação beneficiou quem teve mais tempo para preparar a sua candidatura, ou seja, quem falhou o prazo inicialmente previsto, como foi o caso da Jangada, o que viola o princípio da igualdade, pois fomos excluídos da possibilidade de ter mais seis dias, a contar desde a data da submissão do nosso projeto, até ao novo limite de submissão de candidatura, em que poderíamos ter revisto inúmeras vezes o projeto no sentido de identificar erros, omissões, ou itens a melhorar. Não tivemos oportunidade para aprofundar as observações do projeto de gestão, o que poderia ter-se traduzido numa maior especificidade nas fórmulas de cálculo das despesas administrativas, de produção e montagem e de comunicação”.

Questões de género e originalidade
Numa das críticas apresentadas à candidatura, a DGArtes diz que “quer ao nível da direção artística da entidade, quer ao nível da encenação das criações, todas assinadas por homens”, o que no seu entender não faz sentido por ser uma candidatura intitulada “Personagem Feminina: Género e Géneros”. Acrescenta que “verifica-se uma assimetria clara entre a sua intenção e representatividade de género na equipa, quer ao nível da direção artística da entidade quer ao nível da encenação das criações, todas assinadas por homens, o que parece ser incoerente.”
Também neste ponto a companhia contra-argumenta fortemente e sublinha que “toda a produção da Jangada Teatro é assegurada por mulheres, bem como está prevista a contratualização da encenadora Sónia Aragão”.
“Inaceitável para a Jangada, é também a afirmação dos jurados de que a nossa candidatura não oferece elementos que permitam aferir da originalidade das propostas, quando referimos na nossa candidatura a criação de dramaturgias originais, inéditos da autoria de autores portugueses reconhecidos no mundo literário, como Mário Cláudio, David Machado, entre outros, bem como edições de livros que contribuiriam para o património cultural e com forte ligação com o território do Tâmega e Sousa”, explica a produtora da Jangada.
Em vários pontos da avaliação comunicada pela entidade estatal “verificamos que nem todos os concorrentes e suas candidaturas foram alvo de críticas tão rigorosas como nós e até encontramos incongruências e assimetrias que fizemos questão de sublinhar na contestação enviada”, frisa a nossa entrevistada. Esta chama também a atenção para “a inexistência de valorização do percurso artístico e histórico da companhia no que diz respeito à aplicação dos dinheiros atribuídos, facto que foi elogiado ao longo destes anos nos relatórios sucessivos da comissão de acompanhamento da Direção Regional de Cultura”.
Comunidade inconformada
Entre produtores, público, atores, grupos amadores e demais agentes do setor teatral reina o espanto e o sentimento de injustiça. Disso se depreende numa auscultação que fizemos por algumas dessas pessoas. Todas são unânimes no apoio às pretensões da Jangada Teatro.
Para Ruben Edgar, dirigente do Cais Cultural de Caíde de Rei, “não faz qualquer sentido obviamente, até porque pelo conhecimento que tenho este apoio às candidaturas, foi aumentando de 81.3 milhões para 148 milhões, como foi anunciado em setembro pelo Dr. Pedro Adão e Silva, com ainda um acréscimo de que, as entidades apoiadas passariam a receber a totalidade da verba pedida e não a percentagem que anteriormente era atribuída”.
O dirigente caidense sublinha que “no meu ponto de vista, isto é totalmente incoerente, então aumentam o valor do apoio às candidaturas, e posteriormente a isso cortam esse mesmo a apoio a dezenas de entidades? Não seria melhor aumentar a dita percentagem por todos os que haviam recebido esse mesmo financiamento? Com isto concluo que neste momento o velho provérbio uns com tudo, outros sem nada, encaixa na perfeição, quando falamos da atribuição deste financiamento da DGArtes”.

Na opinião de Luís Falcão, ator e encenador do grupo Vidas em Cena, “é uma injustiça contra a qual a nossa associação já se manifestou nas redes socais logo que teve conhecimento da intenção absurda da DGArtes”. Acrescentou que “é algo impensável e acredito que a posição inicial do júri vai ser revertida porque é impossível que não tenham ponderado o mal que tal decisão faz a uma região que precisa tanto de produção teatral de qualidade”. Este aficionado do teatro justifica a sua tomada de posição dizendo que “não é só a fruição teatral, pelos espetadores, que é necessária e que é bem alimentada pela Jangada, é igualmente o papel de motivação e de incentivo que a companhia presta aos grupos amadores e à comunidade em geral. Por isso, e muito mais, estou solidário com o Xico Alves e seus pares nesta luta que espero beneficie o teatro”.

Também Américo Magalhães, diretor do Teatro Experimental Magnetense declara que “é uma grande injustiça a retirada deste financiamento pela DGArtes a uma companhia, que ao longo destes anos tem realizado um excelente trabalho, levando o teatro e a cultura às escolas do nosso concelho e arredores”.

A atriz lousadense Patrícia Queirós começou por dizer que “são direitos fundamentais que estão em causa – o acesso à Cultura. Desta vez são os municípios e os contribuintes que têm de se juntar à luta contra esta injustiça”.
A experiente artista fala de toda uma região que se ressente das decisões do poder central: “de repente, toda a zona do Vale do Sousa perde a companhia de teatro profissional, a Jangada. Toda a zona do Tâmega perde a companhia Filandorra, entre outros casos. É um esvaziamento cultural para as populações, incompreensível e inaceitável”.
Por fim, Patrícia Queirós declara: “se Portugal tem mais tecido artístico e por isso é difícil distribuir por todos, pois que se aumente o investimento na Cultura, área onde o verdadeiro desenvolvimento social acontece”.

Resta aguardar pelo veredicto final da Direção Geral das Artes e que o recurso apresentado pela Jangada Teatro obtenha provimento, revertendo assim uma decisão que aos olhos de todos parece nefasta.
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