Por vontade própria ou de forma involuntária, há pessoas que não conseguem desfrutar da vida social e vivem escondidas da vida pública e das instituições. A pandemia da COVID-19 é uma das causas, mas há uma confluência de outros fatores que provocam isso. Deixar de trabalhar em grupo, para passar a fazê-lo isoladamente e à distância, foi uma mudança provocada pela pandemia em várias profissões e que alterou hábitos sociais. Também as pessoas que sofrem de maus tratos têm maior risco de ficarem isoladas, agravando a sua condição física e psíquica. Também a doença mental, a depressão, por exemplo, representa um fator de risco de isolamento e de solidão. Outra causa desta patologia social é a falta de dinheiro para convívio e lazer, em festas e cafés, por exemplo, ou para adquirir bens e serviços essenciais à vida em sociedade.
Igualmente a crescer parece estar o isolamento de idosos e pessoas acamadas ou com dificuldade de mobilidade, que se vêem sem os filhos e familiares. Ligado a isto está um dos grupos mais flagelados pelo isolamento: os cuidadores informais. Chegam a ser heróis do altruísmo, que passam quase despercebidos, pois abdicam de uma vida social e profissional para cuidar de alguém.
A assistente social Sílvia Alves Silva, da Santa Casa da Misericórdia de Lousada (SCML) afirma que “considerando a minha prática profissional mais recente, que desde 2019 se foca exclusivamente na intervenção junto dos cuidadores informais no Centro de Apoio ao Cuidador Informal de Lousada (CACIL) da SCML, o isolamento social dos cuidadores é uma realidade e uma evidência incontornável”.
“O cuidador informal dedica-se aos cuidados, numa missão quase estóica e única, muitas vezes em exclusivo e 24h por dia, sem retaguarda e sem ninguém que o substitua, reduzindo as suas vivências ao cuidar do outro, isolando-se da comunidade e das interações sociais, o que o conduz, muitas vezes, ao sentimento de solidão”, declara aquela técnica social.
Com base na análise de dados no âmbito do CACIL, Sílvia Silva refere que “85% dos cuidadores informais têm sobrecarga e destes 65% têm sobrecarga intensa, o que é manifestamente preocupante, uma vez que esta escala avalia as dimensões físicas, psicológicas, sociais e financeiras, reveladoras de múltiplas vulnerabilidades”. Chama a atenção para a anulação a que se entregam, frisando que “desde o dia em que (os cuidadores) assumiram esta função ficam, maioritariamente, reduzidos ao contacto com a pessoa cuidada e todas as rotinas associadas à prestação de cuidados de saúde, atividades de vida diárias e gestão do quotidiano”.
De facto, muitos cuidadores informais são forçados a deixar o mercado de trabalho e a cuidar em exclusivo de alguém, dada a necessidade de apoio permanente. Muitos deixam em suspenso os seus projetos pessoais e vivem em função do outro, num processo psicológico de anulação da sua personalidade e vontades próprias para cuidar. Por isso, “parece-me particularmente relevante destacar os pais de crianças, jovens e adultos com deficiências congénitas, que exigem uma dedicação quase em absoluto, num percurso de isolamento e desgaste generalizado e exponenciado pelo facto deste papel se prolongar por toda a vida, desde o nascimento até ao envelhecimento”, enaltece esta assistente social.
Contudo, também é de sublimar nestas pessoas “uma uma carga emocional forte, um sentido de generosidade de excelência, acompanhado, muitas vezes, por um desgaste de quem vive para o outro e na maioria das vezes sem apoio e retaguarda e, em algumas das situações, acumulam com funções laborais e demais tarefas familiares, de outros a quem ainda têm que cuidar”.
VÁRIAS RESPOSTAS SOCIAIS
A SCML é protagonista da causa dos cuidadores informais no concelho, desde 2019, ano em que abriu à comunidade o gabinete de apoio ao cuidador informal.
Sendo este projeto suportado pela SCML, surge a necessidade de alternativas de intervenção mais abrangentes e em 2020/21 foram estabelecidas parcerias com a ANCI – Associação Nacional dos Cuidadores Informais, CQC – Cuidar de Quem Cuida e com o Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais da Merck. Desde então “foram surgindo serviços que ajudam o cuidador informal a cuidar de si e a encontrar os melhores apoios na comunidade para facilitar a tarefa de cuidar e contribuir para diminuir o seu sentimento de isolamento social”, sublinha a assistente social daquela IPSS.
Assim, a Santa Casa disponibiliza medidas de apoio como o Cuidar de MIM, com foco na intervenção do cuidador, através do apoio psicossocial e psicológico, atendimento individual e familiar; informação e aconselhamento. Por outro lado possui o Cuidar de TI, que focaliza a ação na pessoa cuidada, disponibilizando ações de capacitação e orientação no domicílio e apoio psicológico para as pessoas cuidadas, quando necessário. Há ainda o Cuidar de NÓS que privilegia a intervenção em grupo, com a dinamização de psicoeducativos, grupos de ajuda mútua e mediação familiar. Por último, mas não menos importante, há o Cuidar de TODOS, que procura envolver a comunidade com a intervenção em rede.
Na sequência destas dinâmicas de intervenção e planeamento “surgiu em 2021 a Bolsa Lousada Cuida que é uma parceria do CACIL/SCML com a Câmara Municipal, que perante a dificuldade dos cuidadores terem tempo para si e para resolução de problemas no exterior juntaram esforços comuns e possibilitaram um serviço que oferece a substituição do cuidador informal no domicílio, por um profissional capacitado em Humanitude, com o objetivo de aliviar a sua sobrecarga e permitir-lhe tempo para si e para se dedicar às interações sociais, diminuindo assim o seu isolamento”, revela Sílvia Silva.

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