por | 20 Jan, 2024 | Abril Louzadense, Cultura

Um prego no caixão da ditadura

ABRIL LOUZADENSE VII

Muitos foram os fatores que conduziram à Revolução de 25 de Abril de 1974. A Guerra Colonial foi certamente um dos mais preponderantes. A mudança de rumo político no país permitiu que se pusesse fim a uma guerra, que durava há treze anos, e consequente início à descolonização. Noventa por cento da população jovem masculina do país foi mobilizada para a guerra, que causou cerca de 10 mil mortos e 20 mil inválidos entre os soldados e mais de 100 mil vítimas entre os civis que viviam nas colónias (*).

Algumas dezenas de lousadenses perderam a vida naquela guerra. A imprensa portuguesa estava proibida pela censura (PIDE-DGS) de noticiar os falecimentos, mas o Jornal de Lousada de 20 de Abril de 1974, a quatro dias da Revolução, divulgou o falecimento de um soldado muito conhecido e estimado, José António Teixeira. “Lousadense faleceu em combate na província ultramarina da Guiné”, assim intitulava a notícia, que era acompanhada por uma fotografia do falecido. Foi uma exceção à regra do silêncio que o regime impunha, “para não desmoralizar as tropas”, diziam, mas também era para esconder a realidade e tentar o impossível apaziguamento da opinião pública.

Outros militares lousadenses tiveram melhor sorte. Que o diga Miguel Pacheco, de Santa Eulália da Ordem. Foi alistado em Janeiro de 1974, como voluntário na Força Aérea, recrutado na base aérea número dois da Ota, onde fez o Curso de Mecânico de Material de Aeronáutica. “Alheio à política, eu desconhecia e o que aconteceria no 25 de Abril. Após o referido curso fui transferido para a base aérea número cinco, em Monte Real onde fiz um curso do avião F-86. Ainda fui mobilizado para ir para Angola trabalhar com o avião Fiat-G91, mas acabou por já não ser necessário por se ter dado o 25 de Abril. A minha Base aérea foi invadida pelas tropas paraquedistas, onde ficamos reféns durante alguns dias”.

Um dos muitos que combateram e regressaram foi Paulo Natalino Barros. “À data da Revolução do 25 de Abril de 1974, encontrava-me em Moçambique (na altura Colónia Portuguesa), concretamente na fronteira com a Zâmbia, no Distrito de Tete, uma zona totalmente em guerra. Lembro-me perfeitamente que, na manhã seguinte, o Comandante de Sector, convocou uma reunião de emergência, de Oficiais e Sargentos, das duas Companhias que, na altura, faziam parte do corpo militar ali estacionado. Foi-nos então informado que em Portugal se havia dado um golpe de estado, tendo o Governo de então, sido substituído por uma Junta Militar. Posto isto, não foi difícil deduzir que a Guerra Colonial, teria os seus dias contados. E, na verdade, três ou quatro meses depois, as Companhias da linha da frente, começavam, por ordem do Estado Maior, a recuar para a zona da capital do distrito. Regressei a Portugal em Outubro de 1974, com dois anos e meio de comissão cumpridos”.

Outro ex-combatente, António Miguel Ferreira da Silva, já estava em Portugal quando se deu a revolução. “Só tive conhecimento do sucedido às 7 horas da manhã, quando entrei na carreira da Pacense, para Freamunde, onde trabalhava na Tipografia Popular, do histórico democrata Heraldo, de Lousada. O silêncio de medo era brutal, em Lousada. Ninguém comentava. Mas em Freamunde havia festa. Outra gente mais destemida”.

Estado autista e autoritário

O regime do Estado Novo nunca reconheceu a existência de uma guerra, considerando que os movimentos independentistas eram apenas terroristas e que os territórios não eram colónias, mas províncias e parte integrante de Portugal. Durante muito tempo, grande parte da população portuguesa, iludida pela censura à imprensa, viveu sob a ilusão de que, em África, não havia uma guerra, mas apenas alguns ataques de terroristas e de potências estrangeiras.A primeira organização a manifestar as suas posições anticoloninais foi o Partido Comunista Português, em 1957, durante o seu V Congresso, pedindo a independência imediata, completa e indolor. Essa foi também bandeira de proa dos candidatos presidenciais de oposição ao regime, como Norton de Matos (1949), Quintão Meireles (1951), Humberto Delgado (1958), e mesmo os candidatos apoiados pelo PCP: Ruy Luís Gomes e Arlindo Vicente.  Depois da fraude eleitoral de 1958, Humberto Delgado formou o Movimento Nacional Independente (MNI) que, em Outubro de 1960, defendia a necessidade de preparar o povo das colónias, antes de lhe ser concedido o direito à autodeterminação.

O sentimento oficial do estado português, contudo, mantinha-se: Portugal possuía direitos inalienáveis e legítimos sobre as colónias e era isso que era transmitido pelos meios de comunicação e pela propaganda estatal.  Nem a morte de Salazar fez com que o panorama político se alterasse. Só com as eleições legislativas de 1969 se viria a verificar uma radicalização da atitude política, nomeadamente entre as camadas mais jovens, que mais se sentiam vitimizadas pela continuação da guerra. As universidades desempenharam um papel fundamental na difusão deste posicionamento. Os militares e a sociedade civil foram-se aproximando praticamente em uníssono contra tão nefasto e vil rumo do Estado português em África, acelerando assim o derrube do regime autoritário.

(*) in OS NÚMERO DA GUERRA DE  ÁFRICA , de Pedro Marquês de Sousa (2021)

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