ABRIL LOUZADENSE (XIV)
Com a revolução que libertou Portugal do Antigo Regime expôs-se em pleno o espírito revolucionário de um dos mais contidos democratas lousadenses. O médico Abílio Alves Moreira libertou-se das grilhetas e mordaças que a índole, a profissão e os cargos públicos quase sempre lhe impunham. Vezes houve em que não se conteve e teve que ser protegido e até salvo pelos dirigentes do sistema ditatorial em Lousada. A Revolução permitiu-lhe, finalmente, dar largas à sua voz de democrata. É dele o discurso «Povo da Minha Terra», que foi por si declamado na escadaria dos Paços do Concelho de Lousada, num grande comício de apoio ao Movimento das Forças Armadas (MFA) a 28 de Abril de 1974.
O dia 25 de Abril de 1974 calhou numa quinta-feira. Por ser 25, foi dia de feira em Lousada. Mas foi uma feira “chôcha”. Dizia-se também que Lisboa estava em guerra. Dizia-se que os militares tinham deitado abaixo o Governo e estavam a tomar conta de tudo. Havia quem temesse uma guerra civil. Mas depressa em Lousada se soube que a revolução era de paz. Informações privilegiadas e fidedignas chegavam à vila através do médico Abílio Alves Moreira. O seu sobrinho Gabriel Espírito Santo era já uma alta patentes das Forças Armadas e por telefone colocava-o a par dos desenvolvimentos da Revolução. Dali a mensagem corria célere, sobretudo entre os militantes da luta contra a ditadura.
Três dias depois, na tarde de domingo, “uma assistência calculada em mais de duas mil pessoas, que frente ao edifício dos Paços do Concelho desta vila, nem o frio nem a chuva conseguiu afastar, demonstrando por esse facto o seu arreigado entusiasmo e apoio pelas liberdades fundamentais a que se propõe o M.F.A. através da JUNTA DE SALVAÇÃO NACIONAL, de pronto nomeada, os elementos que compõem a Comissão Concelhia do M.D.P., deram início ao comício de apoio ao M.F.A., começando por falar, em 1.º lugar, o Dr. Abílio Alves Moreira, médico conceituado desta terra” (in Jornal de Lousada, 15 de Maio de 1974):
“É um homem da tua classe, operário duma arte a que se abrem todas as portas, que tem hoje a oportunidade de vir falar, livremente, sobre o significado da hora que passa.
Homem em quem, por uma tortura de silêncio de quase meio século, se foram acumulando medos, e a quem foi faltando a coragem e a saúde para confrontações eficazes, homem que chegou a convencer-se de que a Terra Portuguesa se havia transformado em «chão daninho, de germinações inúteis, Terra de desilusões e de cansaço».
Quero, embora tardiamente, penitenciar-me de ter descrido e prestar a primeira homenagem aos que, por tantos anos tiveram a grandeza do sacrifício de si mesmos e puderam e souberam evitar a depressão que a tantos outros acometeu. Muito e muito e sempre agradecido aos homens e às mulheres que na cadeia e no exílio – que é também uma forma de prisão -, conseguiram manter vivo, manifestamente presente, o pensamento da libertação.
Obrigado, sim, aos que nunca pactuaram com a ditadura manifesta ou latente, da oligarquia dominante e foram trazendo sempre ao conhecimento da Nação os erros que praticava.
Bem-haja essa Imprensa corajosa.
Pois foram esses sacrificados que tornaram possível o movimento das Forças Armadas nesse inesquecível 25 de Abril.
Sabeis muito bem o que foi tal jornada gloriosa: em poucas horas cai um governo, começam a desfazer-se as suas super estruturas. Constitui-se uma «Junta de Salvação Nacional» que vai dar-nos um Governo provisório e uma nova Constituição.
A maior conquista foi, sem dúvida, no momento que passa, a da liberdade da palavra. Queremos usá-la para apoiar a Junta de Salvação pela Salvação que nos promete, com ordem e bom senso.
Queremos a abolição dos monopólios, uma estrutura económica de que decorra uma estrutura social e ideológica que torne os homens mais humanos.
Queremos falar livremente de tudo, numa dialética de consciência e responsabilidade.
Queremos que se estabeleça um convívio cívico, sem hierarquias humilhantes.
Queremos que não seja preciso «fugir para a família», mas que a nossa Terra seja uma Família de famílias.
Queremos que se estabeleça um ensino válido, formativo e informativo, para que cada um ocupe o seu verdadeiro lugar.
Queremos a certeza do pão de hoje e de todos os amanhãs.
Queremos acabar com o «mito» da pobreza inevitável.
Queremos «ter», «mas não só» porque também queremos «ser» pessoas.
Queremos que «se não morra a matar» nesta Terra de Portugal.
Queremos que se faça «Justiça» ao Povo, colocando sob a ação duma reta Justiça os beneficiários da usurpação, os históricos opressores da Pátria.
E neste quasi-Inverno da minha vida eu quero para todos uma Primavera que me foi negada”. – Dr. Abílio Alves Moreira.

Comentários