No momento atual, em que se agudiza a guerra no Médio Oriente e o mundo apresenta sinais de uma doença incurável num emaranhado de ação, retaliação, devoração do outro, o diálogo tornou-se uma utopia e a catadupa de destruição, alastrando-se da faixa de Gaza à Síria, faz amputar a voz da Ucrânia, refém do imperialismo Russo. É neste horizonte desencantado que lembramos a voz de António Vieira e a necessidade de a recuperarmos para ler um certo mundo enfurecido em que vivemos.
O século em que viveu o Padre António Vieira corresponde a um tempo particularmente agitado por diversos conflitos, um tempo e uma sociedade minados por um forte individualismo e por um jogo de interesses feroz que acentuava a linha negra de um horizonte asfixiado pela desavença dos Homens, sobretudo por aqueles que detinham o poder. É, por isso mesmo, também, um século a precisar de uma voz capaz de se fazer ouvir, uma era a pedir palavras argutas e persuasivas que, de algum modo, consertassem os males que a definiam e a iam fazendo definhar moralmente.
É neste contexto que compreendemos a mensagem de António Vieira que, com a sua extraordinária lucidez, interpreta a realidade do seu tempo e faz, da sua palavra, espada em prol de um mundo mais justo. O espírito imaginativo, aliado à coragem e à tenacidade de António Vieira, criou, no espaço da sua palavra, um lugar para lutar. As suas palavras são, efetivamente, a sua voz: o modo alegorizante, associado a uma parenética coeva, elevou os seus textos ao estatuto de uma denúncia, num tempo dominado por demónios mudos.
A minha liberdade está condicionada pela hipocrisia? A mudez ou silenciamento é perdoável?
Quanto à primeira questão, julgamos que a resposta emerge, gradativamente, ao longo do «Sermão da Confissão dos Ministros». O Homem corta as suas próprias asas, quando se esconde atrás de um espelho que lhe retira a visibilidade de si e a capacidade de se autocriticar de forma inequívoca. A hipocrisia amarra o Homem, tornando-o prisioneiro da sua mentira. A segunda questão encontra a resposta nas palavras de Vieira neste sermão: o silenciamento não é perdoável, não há abertura para a impunidade. A escrita de Vieira realiza, portanto, denúncia pela palavra.
No mundo contemporâneo, sufocado pelos interesses e os jogos de poder, a guerra tornou-se o monstro devorador, que nos tornou incapazes de diálogo. O silenciamento do homem perante a destruição, traz de volta António Vieira e a necessidade de tornar a palavra cento de ação. E a liberdade maior que o medo.
Conceição Brandão
Professora













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