A DIFF EDUCATION é a organização não-governamental educacional que a médica lousadense Daniella Lopes, de 39 anos, fundou, movida pela convicção de que a educação “é uma das ferramentas mais poderosas para criar mudanças duradouras e quebrar o ciclo da pobreza”. A ideia nasceu da sua experiência profissional enquanto médica em missões humanitárias, em cenários de conflito internacional. “Em cada contexto, percebi que tratar uma doença ou responder a uma emergência é apenas parte da solução — a transformação verdadeira vem da possibilidade de aprender, crescer e construir um futuro diferente”, explicou ao nosso jornal.
Confessa que desde os tempos da Escola Secundária de Lousada sentiu uma ligação muito forte com as pessoas — com as suas histórias, fragilidades e potencial. “A certa altura percebi que a melhor forma de materializar essa conexão humana seria através da medicina: uma profissão que une ciência, empatia e compromisso. Foi essa convicção que me levou a ingressar em Medicina, motivada por uma paixão tanto científica como profundamente humanista”, declara Daniella Lopes.
Durante a formação, foi atraída pela Medicina Interna, pela sua visão integrada e pela complexidade clínica: “Aprofundei também o interesse por infeciologia e saúde global, áreas que me ajudaram a entender a saúde como parte de um sistema mais amplo e interligado.
Trabalhei vários anos como médica internista em Espanha, num contexto hospitalar exigente, onde ganhei maturidade profissional e consolidei a minha prática clínica. Em paralelo, tive a oportunidade de realizar investigação clínica nos Estados Unidos, o que me proporcionou uma perspetiva interdisciplinar sobre os desafios da saúde pública e a sua ligação profunda à educação e ao desenvolvimento”.
O percurso na infeciologia “levou a um convite para integrar uma missão internacional com Médicos Sem Fronteiras, onde colaborei na implementação de um programa clínico, contribuindo para a criação de um novo protocolo de tratamento”. Esta experiência abriu caminho para uma atuação mais próxima das comunidades e das suas necessidades concretas.
Nos últimos anos, “integrei várias missões humanitárias com Médicos Sem Fronteiras em diferentes continentes, atuando em contextos marcados por conflito e crises prolongadas. Para além da prática médica direta, desempenhei funções de coordenação clínica, gestão de equipas multidisciplinares e implementação de programas de saúde pública em cenários de elevada complexidade”, esclarece Daniella Lopes.

EDUCAR PARA TRANSFORMAR
Essa experiência “aprofundou a minha capacidade de liderança, adaptação e tomada de decisão em ambientes desafiantes — competências que hoje coloco ao serviço da gestão estratégica e operacional da DIFF EDUCATION.
Atualmente, está em Portugal “com a intenção de potenciar a ação social através da DIFF EDUCATION — a organização que fundei e que representa a síntese do meu percurso e das minhas convicções. Quero fazer este projeto crescer, reforçar o seu impacto e criar novas ligações entre comunidades, conhecimento e oportunidades”.
Esta organização é responsável por uma escola primária com mais de 300 crianças, e por diversos programas comunitários que beneficiam diretamente, entre jovens, mulheres e adultos em situação de vulnerabilidade.
“Comecei a desenvolver a DIFF EDUCATION há cerca de quatro anos” e os dois primeiros anos foram dedicados “à escuta ativa com a comunidade, ao planeamento estratégico e à criação de projetos pensados para serem sustentáveis, relevantes e enraizados nas necessidades reais das pessoas”. Há dois anos, a ONG iniciou as suas operações no terreno, com uma abordagem centrada nas pessoas, participativa e com profundo respeito pelos contextos locais”, descreve Daniella.
Atualmente, a atuação reside numa comunidade rural de Mecufi, na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique — uma região marcada por desigualdade estrutural e afetada por conflitos armados. “Para além da escola primária, desenvolvemos projetos integrados como um curso de costura e empreendedorismo para 40 jovens mulheres, uma mini padaria comunitária que fornece lanches a mais de 500 crianças e cria postos de trabalho locais, e um sistema de hidroponia com horta comunitária, que promove segurança alimentar e práticas agrícolas sustentáveis”, refere a médica lousadense.
Paralelamente, “estamos a desenvolver aulas de inglês para adolescentes, uma aplicação móvel para o ensino do português a adultos com baixa literacia, e outras iniciativas que contribuem para a inclusão, o acesso e a autonomia”.
Por tudo isso, Daniella entende que a DIFF EDUCATION “é muito mais do que uma ONG: é uma rede viva de colaboração, onde a educação se cruza com dignidade, equidade e esperança. É uma semente que continua a crescer, lado a lado com a comunidade que a acolheu”.

UMA FILOSOFIA DE VIDA
Esta médica de profissão, refere que teve “desde sempre uma atenção muito desperta para o que acontecia à minha volta — uma sensibilidade para as necessidades dos outros e uma vontade genuína de contribuir, de forma prática e com sentido”. Desde jovem, envolveu-se em diferentes tipos de voluntariado, tanto em contextos locais como internacionais, sempre com o desejo de fazer parte de algo maior e mais solidário.
Com o tempo, “essa inclinação transformou-se num verdadeiro compromisso de vida”. Trabalhar com Médicos Sem Fronteiras, em contextos de conflito e crise humanitária, “foi uma extensão natural desse percurso. Nessas missões, percebi que o ato de cuidar vai muito além da medicina: envolve escuta, empatia, respeito e a criação de condições para que as pessoas possam recuperar o sentido de dignidade, segurança e futuro”, sublinha.
Foi nesse processo que compreendeu que essa forma de estar no mundo “não é apenas uma escolha profissional — é o meu propósito de vida, a minha missão. É aquilo que me move e me orienta, nas grandes decisões e nos pequenos gestos do dia a dia”.
Explica que carrega consigo “um mantra que resume bem esta visão: The best way to find happiness is to give it away”. Isto significa que a felicidade não é encontrada acumulando coisas ou buscando prazer pessoal, mas concentrando-se na alegria e na realização que vêm de atos de bondade, serviço e de causar um impacto positivo na vida dos outros.
Questionada se lhe podemos chamar «justiceira social», Daniella responde: “nunca me vi nesses termos. A expressão «justiceira social» remete para uma figura quase heroica, com a qual não me identifico. Vejo-me como uma pessoa comum, com o olhar atento, a escuta ativa e a vontade de estar onde posso ser útil”.
Salienta que sempre prestou atenção às realidades menos visíveis, “não apenas às grandes injustiças que aparecem nas notícias, mas também às pequenas desigualdades do dia a dia, que muitas vezes passam despercebidas. São essas situações discretas, silenciosas, que me motivam a agir”.
Assegura que essa vontade “não vem de um desejo de protagonismo, mas de coerência com quem sou e com aquilo em que acredito: que todas as pessoas merecem uma oportunidade, que o cuidado é um gesto de humanidade, e que ações simples, quando feitas com intenção e continuidade, podem ter um impacto transformador”.
Ao longo do seu percurso, essa forma de estar foi-se refletindo nas escolhas profissionais e nos projetos em que se envolveu, “com consciência e responsabilidade”.
Um dos seus lemas maiores é acreditar que “todos temos algo a dar: tempo, saber, presença, criatividade. E se colocarmos isso ao serviço dos outros, mesmo que em pequenos gestos, estamos a contribuir para um mundo mais equilibrado — não por heroísmo, mas por humanidade”.














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