Ao contrário do que aconteceu em momentos anteriores, aqui fica um texto de opinião em que vou concordar com uma medida do governo para a área da Educação: o anunciado fim das retenções, ou reprovações, no Ensino Básico (do 1º ao 9º ano). Seria até mais fácil discordar, uma vez que, ao que parece, há muitas vozes docentes contra esta medida e que o atual Governo não me desperta especial simpatia, sobretudo pela forma como Centeno e Costa têm (des)tratado a classe docente. No entanto, a minha intenção não é conseguir aplausos, mas contribuir, como sempre, para que se esclareçam e aprofundem os fundamentos que sustentam as diferentes opiniões.
Eu tenho uma posição favorável a esta medida por duas ordens de razões: um conjunto de razões internas, que conheço pela minha experiência de 25 anos como profissional de educação, e um outro conjunto de razões externas, que podem ser recolhidas em estudos internacionais disponíveis na internet.
Comecemos pelas internas. E das internas vamos já àquela que considero a mais relevante e decisiva. Esta questão das retenções afeta sobretudo, de forma esmagadora, os alunos socialmente mais desfavorecidos. O que significa que a Escola Pública, que devia contribuir para atenuar as desigualdades sociais, acaba, muitas vezes, como no caso concreto das retenções, por contribuir para acentuar essas desigualdades, penalizando os alunos que têm menos possibilidades económicas e condições sociais mais difíceis. Como se sabe, quando a família tem dinheiro para pagar explicações particulares ou “centros de estudos”, os alunos, ainda que tenham dificuldades, acabam por ultrapassar essas dificuldades e por nunca reprovar. O mesmo acontece quando os pais têm habilitações académicas que lhes permitem acompanhar e orientar o estudo dos filhos. Quem são, então, os alunos que representam a quase totalidade das estatísticas das retenções? Claro! Os mais pobres e os que pertencem a agregados familiares com menos escolarização.
Mas há ainda outras duas questões de ordem interna. Está provado que as retenções não significam necessariamente maiores ou melhores aprendizagens dos alunos reprovados nos anos subsequentes. Aliás, há, por norma, uma relação exatamente em sentido contrário. As retenções aparecem quase sempre associadas à desmotivação dos alunos que reprovam e à predisposição desses alunos para voltarem a cair em novas situações de reprovação. Isto é, os benefícios associados ao conceito de retenção quase nunca se verificam. Outra questão interessante para referir neste contexto e que já existe, há muitos anos, no sistema educativo português, são os Cursos Profissionais, nos quais ninguém reprova. Nesses cursos, os alunos progridem todos do 10º para o 11º e do 11º para o 12º, mesmo que tenham algumas aprendizagens (módulos) em atraso. Isto é, a figura da “retenção” já não existe, há muito, para milhares de alunos portugueses.
No que diz respeito às razões de ordem externa, ou seja, se quisermos perceber o que se passa na Europa a este nível, há duas fontes fiáveis: a rede Eurydice (https://eacea.ec.europa.eu/national-policies/eurydice/home) e o site do PISA (http://www.oecd.org/pisa/). O que se pode concluir, observados os dados estatísticos destes estudos internacionais, é que nos países europeus onde as retenções são “raras” ou “inexistentes” (Suécia, Islândia, Noruega, etc…) os alunos demonstram, quando comparados com os alunos portugueses, que aprendem tanto ou mais do que os nossos. Isto significa que as retenções no Ensino Básico não significam, por si só, mais ou melhores aprendizagens. Ou, dito ao contrário, o fim das retenções não significa, só por si, menos exigência ou menos aprendizagens por parte dos alunos, como se tem escrito nas redes sociais. Os factos demonstram que os alunos dos países onde não há retenções aprendem tanto ou até mais do que os alunos dos países onde ainda há retenções. Portanto, em termos estritamente pedagógicos, as retenções não se justificam.
Concluindo. O mais importante nesta problemática, para governantes e agentes educativos, é perceber que as reprovações podem acabar, mas que em todos os países onde as retenções são raras ou inexistentes há mecanismos para apoiar os alunos com dificuldades e estratégias de remediação para que os mesmos possam recuperar as aprendizagens que não fizeram em tempo útil. Se, como dizem alguns, esta medida foi pensada apenas por Centeno para poupar mais uns milhões e se António Costa e Tiago Rodrigues se limitarem ao “Sim, Sr. Ministro!” do costume, não vão surgir os tais “mecanismos de apoio”, nem as tais “estratégias de remediação”, que custam dinheiro. Se isso acontecer, teremos que ser novamente nós, por convicção, por dedicação aos nossos alunos e por compromisso com as comunidades que servimos, a resolver a situação. Como temos feito sempre, apesar de tudo. Não por subserviência a quem nos dá ordens e não nos dá meios, mas por dedicação a uma causa maior: a educação e o futuro dos nossos alunos.
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