José Pinto: o autarca e árbitro que não apreciava política nem futebol

Não gostava da política, mas foi presidente da Junta. Não gostava de futebol, mas foi árbitro. Falamos de José Ribeiro Pinto, conhecido essencialmente pelo trabalho associativo, por ter sido árbitro e autarca. Natural de Ferreira, concelho de Paços de Ferreira, Lousada surgiu no seu caminho quando tinha apenas meio ano de vida. Para os pais foi o regresso à terra natal, já que ambos eram naturais de Nespereira.

Com 74 anos, José Pinto tem ainda bem vivas na memória as histórias do passado. Frequentou a escola primária da freguesia de Nespereira até à 4ª classe e recorda-se muito bem da professora Rita e dos colegas de então.
Terminada a instrução primária, ingressou no mercado de trabalho. Conheceu cedo a dureza do trabalho: “Com onze anos, cheguei a andar a pedreiro. Vida dura. Mas isso deu-me uma lição. Aprendemos sempre e valorizamos outras realidades”, refere.

Depois, ingressou numa empresa metalúrgica, no Porto, onde desenvolvia protótipos de eletrodomésticos, como fogões e frigoríficos.

O ingresso nesta empresa exigiu-lhe mais conhecimentos e formação. José Pinto decidiu estudar à noite, completando o 11º ano de escolaridade.

Os anos foram passando e surgiram novas oportunidades de emprego: “Entretanto, surgiu a oportunidade de ir para a Shell, para ser mecânico de bombas de combustível, as antigas. Estive ali durante muito tempo, desde os 22 anos”, conta.

“Adorei a vida militar”

No entanto, a linearidade da vida profissional foi interrompida pela vida militar, como era usual na época. Ao contrário do que significava a vida militar para muitos, para José Pinto, foram tempos de satisfação. Exerceu funções na área das transmissões, como telefonista. Esta foi a forma de evitar o Ultramar, como nos conta: “A única solução era eu tentar ser telefonista, pois para esse cargo ia um por cada pelotão. Tive a felicidade de ir para a Força Aérea”. Durante cerca de três anos, esteve na base militar de Monte Real: “Adorei a vida militar. Sobrevoei muitas vezes esta zona”, recorda. O antigo militar lembra-se ainda do seu comandante, o falecido Coronel Soares de Moura: “Sempre que ele fazia anos ou havia festas de familiares, os próprios aviadores vinham fazer o reconhecimento da casa onde ele morava. Então, tinha de vir eu, para indicar onde ele morava. Ele era de Lodares. Tive a felicidade de andar de avião por causa disso”, explica.

Empreendedor na área energética

Voltando à vida profissional, José Pinto, com uma situação estável como técnico de bombas de combustível na Shell, decidiu passar para a concorrência, passando a exercer a sua profissão na GALP. Mas o “passo de gigante” haveria de ser dado mais tarde, quando se estabeleceu por conta própria, ao serviço da GALP. Criou, assim, a Lousagás, empresa conhecida na região, que atualmente é gerida pelo filho, que se formou na área das energias renováveis. O balanço da vida de empresário é positivo: “Estive trinta e tal anos com a empresa, cheguei a ter oito funcionários. Valeu a pena esse passo”, afirma, embora reconheça que tinha “mais responsabilidades e mais pressão”.

Sobre a freguesia de Nespereira, para cujo desenvolvimento contribuiu enquanto presidente de Junta, remonta à sua juventude, para lembrar que era uma terra “muito pobre”. “O desenvolvimento começou apenas após o 25 de Abril”, considera. Atualmente, reconhece que “é uma freguesia bem situada, com estradas de acesso, com muita categoria, mas na altura era uma zona agrícola, onde todos eram lavradores”.

Apaixonado pelo folclore

Dos tempos de antigamente, recorda as tradições festivas e o convívio a elas associado. Festas ligadas à atividade agrícola, como não podia deixar de ser, numa freguesia onde reinava a agricultura. “As saudades que eu tenho é das desfolhadas, das vindimas, dessas tradições…”. Talvez por isso esteja ligado ao folclore desde sempre, para reavivar as tradições. “Desde sempre estive ligado ao folclore. Sou da velha guarda. Eu participei na primeira atuação do rancho aqui de Nespereira. Onde houvesse uma desfolhada e umas vindimas eu lá ia todo contente, muitas vezes ia com as minhas duas irmãs. Gostava muito”, recorda, com saudades.

A ligação ao Rancho Folclórico Flores da Primavera de Nespereira levou-o à presidência desta entidade, numa altura em que acumulava a presidência de mais três (da AD Lousada, das Festas Grandes e da Goldwing). A sede do rancho era na residência do padre da paróquia. “A minha ligação com o rancho começou logo na escola, na quarta classe. Daí para cá, até aos 19 anos, estive sempre lá. Fiz a minha vida militar e, após a minha vinda, o rancho estava um bocado tremido. Eu, como tinha alguns conhecimentos de folclore, fui presidente durante muitos anos”, conta. José Pinto admite que não era fácil, implicando muito trabalho. Entre ensaios, organização de festivais, recolhas culturais e contactos com outros grupos para participações noutros festivais, foram muitas horas, dias e anos. “Conjugar todas estas coisas com muita gente, mais de vinte pessoas, implica saber lidar com todas as opiniões, ser um verdadeiro líder”, refere. “Mas custoso também”, acrescenta.

A história do rancho foi também feita de momentos altos, um dos quais a permuta que o levou a Santa Marta de Portuselo, “um festival muito completo, com ranchos estrangeiros, que me marcou de forma positiva”. Infelizmente, a vinda do rancho de Santa Marta a Nespereira ficou marcada da pior forma: “Quando cá vieram, morreu um elemento nosso grupo debaixo do autocarro do rancho de Santa Marta. Foi um momento marcante como presidente”, diz, com tristeza.

“Sinto que as pessoas gostaram de mim enquanto autarca”

Embora admita que, antes de ser presidente da junta, nunca gostou de política, nem teve qualquer ligação aos partidos, liderou o executivo da Junta durante três mandatos. A mudança aconteceu quando, “um dia, um senhor muito conhecido em Lousada, o Mota Morais, me convidou para apoiar uma lista aqui para Nespereira. Estava lá o professor Santalha, o Dr. Jorge, tudo da parte do PS, e eu não era de partido nenhum. Fui lá para ser apoiante e acabei por sair candidato. Os que lá estavam viram em mim uma possibilidade”, conta. No entanto, este voto de confiança não o alegrou. Pelo contrário, José Pinto confessa que ficou preocupado, “mas, na falta de outra pessoa, tive de avançar”.

Na altura, a Junta de Nespereira era já socialista, “não tanto por tradição partidária, mas sim por sermos amigos das pessoas que lá estavam”. Alheio a partidos políticos quando se trata de fazer a avaliação do trabalho realizado, reconhece que o atual executivo “está a fazer um excelente trabalho, um trabalho impecável”, diz, acrescentando: “Eu não olho a partidos, mas sim às pessoas amigas, que merecem”.

José Pinto foi eleito em 1989, depois de uma campanha eleitoral na qual gastou muito dinheiro. “Mas valeu a pena, pois ganhei logo com maioria”, realça. Não esquece o dia das eleições, que foi “muito importante”. Depois, foi enfrentar o trabalho com entusiasmo, mas também as críticas. Apesar de tudo, reconhece que gostou muito de ter liderado o executivo.

Considera muito positivo o tempo empregue na Junta de Freguesia e realça que se sentiu sempre acarinhado por todos. Essa aproximação às pessoas deu-lhe “uma certa liberdade”, tornando-o um homem feliz. “Ainda agora as pessoas me abordam. Sinto que as pessoas gostaram de mim enquanto autarca, mesmo as pessoas que estavam na oposição. Dei-lhes sempre uma palavra de apoio, e com isso fiquei com as pessoas para o resto da vida”, sustenta.

O ex-autarca defende que Nespereira sabe receber, razão pela qual as pessoas se fixam na freguesia. “É uma alegria muito grande viver em Lousada”, diz.

Das obras realizadas na freguesia, realça as principais: a casa mortuária, o alargamento do cemitério e a abertura de algumas ruas, onde só passavam carros de bois. “Essas obras são a minha marca”, afirma, reconhecendo que “o atual presidente lhes tem dado uma boa continuação”.

Sobre a Câmara Municipal de Lousada, refere a boa relação com o presidente da altura, Jorge Magalhães: “Fui sempre muito bem relacionado com o anterior presidente da Câmara, pessoa que eu muito estimo”, diz.
Apesar de ter exercido funções de presidente de junta durante doze anos, é defensor da limitação de mandatos: “Mais que dois mandatos é muito.

Depois começa a saturar. Temos de dar oportunidade e liberdade para surgirem novas ideias. A mudança é muito positiva”, defende. Terminou o terceiro mandato e não quis continuar: “Eu vim embora porque quis. O tempo fazia falta à família e à empresa”, justifica, acrescentando que a liderança da junta é uma “grande responsabilidade, à qual se dedica muito tempo”.

Atualmente, José Pinto está divorciado, mas foi casado durante 25 anos. Desse enlace nasceram dois filhos.

Mulheres “puxaram-no” para a arbitragem

Para além da atividade política, José Pinto esteve também muito ligado ao futebol. Tal como aconteceu na política, até entrar no mundo do futebol, não morria de amores pela modalidade. Apesar de tudo, foi árbitro. Num desporto sobretudo masculino, tudo começou por causa das mulheres. Ele conta como foi: “Tinha uma vida profissional um pouco dura, na Shell.

Percorria o país todo. Conhecia uma amiga aqui outra acolá. Eu pensei: “vou meter-me na arbitragem e, com isso, estarei aos fins de semana sempre ocupado. Não estarei para ninguém”, diz, referindo-se ao trabalho. Tirou o curso de arbitragem e, ao fim de cinco anos, subiu ao quadro dos nacionais. Foi árbitro da terceira divisão durante cinco anos. Seguiram-se cinco como árbitro auxiliar da primeira divisão: “Andei pelo país todo. Foi uma experiência excelente. Só tive um problema, num jogo Freamunde-Leça, onde houve uma invasão de campo. De resto, não tive problemas”, refere.

Apesar de evitar ser juiz com o Lousada em campo, quando tinha de arbitrar esses jogos, tentava ser “o mais correto possível”. Lembra-se de uma situação que gerou alguma tensão num jogo com o Rio Tinto: “O jogo ficou interrompido cerca de um quarto de hora. Se errasse tinha de ser contra o Lousada, se não estava tramado. Nesse jogo, o Lousada empatou. Eu procurava evitar apitar o Lousada, mas apitei mais um jogo ou dois”. Sobre a sua atuação, diz que “procurava apitar direitinho”: “Não é qualquer árbitro que sobe para o quadro dos nacionais com apenas cinco anos. É porque tinha qualidade”, sustenta. De salientar que José Pinto e Meireles da Silva, de Lodares, foram, talvez, os únicos árbitros lousadenses a chegar ao quadro nacional de árbitros.

Sobre a corrupção na arbitragem, é perentório: “Algumas vezes tentaram aliciar-me, mas não havia hipótese nenhuma comigo. Eu tinha uma vida estável, ganhava bem, tinha a minha empresa…”. Já sobre o trabalho dos colegas, admite que as coisas fossem diferentes.

Presidente da AD Lousada

Quis o destino que se cruzasse com a Associação Desportiva de Lousada como presidente. O primeiro passo foi dado por um amigo, o Francisco Barbosa, assim que deixou a arbitragem: “Ele veio pedir-me para fazer parte da direção com ele”, explica. Com o “bichinho do futebol” ainda bastante ativo, José Pinto “quis continuar entretido” com este desporto, ainda mais porque a paixão pelo futebol passou a fazer parte da sua vida: “Fiquei um ano com ele. Ao fim de dois ou três anos, fui presidente um ano. Foi um ano exigente, caracteriza, devido às condições de trabalho que não eram as melhores, sobretudo as financeiras”.

José Pinto salienta que o “AD Lousada foi desenvolvido pelo senhor José Cunha, que conseguiu dinamizar com mais condições o futebol em Lousada. Comprou-se um autocarro e a aquisição da sede e foi com ele que o clube subiu à terceira divisão nacional. Ele foi diretor do FC do Porto”, recorda. Apesar de tudo, na altura, “era um futebol muito pobre, que não tem nada a ver com o que é hoje. Há mais profissionalismo”, sustenta. No entanto, realça um aspeto com grande peso no passado: “Havia mais paixão, pois não se ganhava praticamente nada. As pessoas estavam no futebol com paixão”, diz.

Festas Grandes memoráveis

As Festas Grandes estão também no currículo de José Pinto, que integrou por várias vezes as comissões de festas, chegando a ser presidente num ano, auxiliado pelo senhor José Luis Pires, um homem que “faz muita falta”, pois “era muito conhecedor, indispensável em qualquer comissão nessa altura, sabia de tudo”, refere. A grande preocupação, na altura, “era não ficar a dever a ninguém”, salienta, acrescentando que, no passado, “era difícil aceitarem fazer estas festas”.

Satisfeito com o trabalho realizado enquanto fez parte das comissões das festas em honra do Senhor dos Aflitos, relembra uma que “marcou muito o concelho” e lembra o cortejo histórico: “Fizemos uma coisa em grande. Ainda hoje falam muito dessa festa. Ficou na memória das pessoas”, afirma. Um projeto caro, segundo o antigo presidente, mas que valeu a pena. “As pessoas aderiram muito e marcou-me muito. Tinha figurantes de todos os nossos antepassados: reis, rainhas… O sentimento foi de toda a comissão foi de dever cumprido e de ter proporcionado às pessoas um ambiente agradável”, refere [Esta edição que é referida pelo snehor José Pinto, das Festas em Honra do senhor dos Aflitos foi presidida por Agostinho Taipa].

A paixão pelas motos

Ao contrário do que aconteceu com o futebol e a política, a paixão pelas motos existiu desde sempre, levando-o a ser sócio da Goldwing Clube de Portugal, depois de ter comprado uma moto da consagrada marca. “A sede era em Lisboa. Fiz parte da direção e, no ano seguinte, fui presidente, cargo que ocupei durante alguns anos”. Para aqueles a quem as duas rodas não dizem muito, o Goldwing Clube de Portugal é um clube nacional, mas que está sediado em vários países, entre os quais Inglaterra Espanha e Bélgica. Como presidente, a maior parte das vezes, deslocava-se de moto quando tinha de ir às reuniões.

José Pinto explica que a Goldwing é uma moto bastante cara e uma característica muito peculiar: tem marcha atrás. Também tem rádio para comunicação entre as pessoas até 5 kms. “É uma mota confortável, com aquecimento para pés e mãos e assentos aquecidos”, descreve. Trata-se, portanto, de uma moto adequada às quatro estações, capaz de proporcionar conforto aos ocupantes. José Pinto começou com uma de 1500 cc., passando à 1800 cc..

Atualmente na reforma, José Pinto não mudava nada na sua vida. “Tenho tudo o que gostava de ter, incluindo saúde”, diz, com satisfação.

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