Os portugueses espalhados pelo mundo vivem hoje dias difíceis. Debatem-se, por um lado, com as consequências da pandemia, que teima em alastrar, e sofrem, por outro lado, com a distância que os separa daqueles que amam e que continuam em Portugal, também apreensivos com o grave problema de saúde pública.
A diáspora portuguesa integra nomes de muitos lousadenses. Estivemos à conversa com alguns deles, para saber como estão a viver estes tempos difíceis.
Marta Moreira é uma jornalista lousadense. Saiu de Meinedo rumo ao Brasil, onde é correspondente da Agência Lusa. É a partir de casa, que nos faz chegar todos os dias as notícias do país-irmão. E tem muito para escrever, já que no Brasil se avoluma a controvérsia sobre as formas de encarar a Covid-19. “Bolsonaro é uma figura controversa. Há sempre o que escrever e as pessoas querem saber”, diz a jornalista.
Recorde-se que o presidente brasileiro não tem reconhecido a gravidade da situação, caracterizando a doença como uma “gripezinha”, nem a necessidade de isolamento social, ao contrário do seu ministro da Saúde e dos governadores dos vários estados brasileiros.
O desespero de quem nem água tem para lavar as mãos
O alastramento do contágio pode ser fatal, principalmente para a população mais pobre que vive, por exemplo, nas favelas, como explica Marta Moreira: “Sem água canalizada, o simples gesto de lavar as mãos não pode ser realizado”. Lembra, ainda, que nas favelas as pessoas vivem muito juntas e que, se alguém ficar infetado, não se consegue isolar, pondo em risco os restantes membros da família.

Marta é perentória quando se refere à opção de Bolsonaro de pôr a economia à frente da saúde pública. “Se as pessoas ficarem doentes, quem é que vai dinamizar a economia?”, deixa a pergunta. Talvez por isso, alguns apoiantes do presidente se tenham demarcado das suas posições e afastado, segundo nos conta a jornalista lousadense.
No Brasil, no início, as reações das pessoas foram de descrédito relativamente aos efeitos da pandemia, apesar de as notícias darem conta das consequências devastadoras em certos países. Marta considera, que a população ainda não tomou consciência da gravidade da situação: “As pessoas ficam chateadas com as lojas fechadas”, diz, acrescentando, que algumas já começaram abrir.
As palavras do Bolsonaro de que “nos brasileiros nada pega” podem ter sido levadas a sério por uma parte da população, no entanto, os números mostram o contrário. Marta explica, que no Rio de Janeiro muitos dos infetados têm entre 30 e 40 anos. “A prevenção é o melhor remédio”, garante. Até porque, o Brasil não tem um sistema de saúde capaz de dar resposta a tantos milhões de pessoas, à semelhança do que acontece mesmo os países mais desenvolvidos.
Marta tem acompanhado a situação em Portugal e particularmente em Lousada, com preocupação. Considera, que as autoridades atuaram rapidamente e que a população lousadense se “portou bem”. Com saudades de Lousada, da família, amigos e namorado, Marta espera poder visitá-los brevemente, apesar de neste momento não poder fazer grandes planos.
O lousadense Eduardo Jorge reside em Lyon, França, há 12 anos. Considera a experiência positiva até ao presente. Este momento de propagação do vírus Covid-19 está a ser vivido por ele com apreensão, apesar de reconhecer, que, no início, não deu muita importância ao assunto. Contudo, depois de perceber a gravidade do problema redobrou os cuidados de proteção.
Com a família em Lousada, acompanha a situação pandémica no nosso país com atenção. Considera, que o concelho adotou uma boa estratégia de combate à doença e que as pessoas souberam reagir, neste momento tão delicado.
Este lousadense conta que, em Lyon, no início, as pessoas “andavam como se nada fosse”, mas neste momento a cidade também está em isolamento. A esposa, que trabalha com crianças, está agora em casa. “Na segunda semana, as pessoas consciencializaram-se, mas a França acordou muito tarde”, considera.
Meio litro de álcool chega aos 35 euros em França

Eduardo Jorge trabalha numa empresa de limpezas, mas falta material para se sentir seguro: gel, luvas, álcool, máscaras… À semelhança do que acontece em Portugal, o preço do álcool subiu consideravelmente. Meio litro pode chegar aos 35 euros. Já em termos do sistema de saúde, considera, que a França está bem preparada para responder ao problema.
Tem contactado com a família, que reside em Lousada, e que se encontra em isolamento, mas confessa que está sempre com o “coração nas mãos”.
Sobre os efeitos económicos desta pandemia, Eduardo Jorge não teme tanto por si, mas pelas pequenas e médias empresas. A empresa onde trabalha tem cerca de 600 trabalhadores, 70% dos quais em casa. “Eu e outros colegas de trabalho continuamos no terreno”, explica. Do patrão têm a promessa, de que, se possível, mais tarde serão recompensados. No entanto, reconhece as dificuldades: no mês de abrandamento da atividade, a empresa já teve um prejuízo de 1 000 000 de euros. “Não sei o que será da França no pós-vírus”, diz. O regresso a Portugal está, contudo, fora de questão.
Celso Neto está em Angola há 13 anos. Aceitou um desafio profissional e foi ficando por lá, apesar de terem surgido possibilidades de regressar. Sente saudades de Lousada, da família e dos amigos. Acompanhou a situação do Covid-19 em Portugal com preocupação. No geral, considera que as pessoas deveriam ser mais conscientes em relação a este problema e ter mais cuidado. No entanto, mostra-se confiante de que vamos conseguir ultrapassar este problema. “Eu acredito que as pessoas têm força e que vamos conseguir ultrapassar esta situação. Temos em Portugal profissionais e médicos fantásticos, que estão a fazer tudo o que é possível para lutar contra esta pandemia”, diz.

Propagação da doença em Angola seria catastrófica
Em relação a Angola, considera, que foram tomadas medidas muito precocemente, mesmo antes de serem conhecidos os primeiros casos. “Angola tomou medidas drásticas ao cancelar os voos internacionais”, diz. As notícias dos primeiros infetados, vindos de Portugal, acentuaram as medidas restritivas. Consciente das debilidades do país em termos de saúde, espera, que as medidas de precaução possam evitar a propagação da doença, que, a acontecer, seria uma catástrofe. “É de louvar que estejam a ser tomadas todas as medidas. Angola olhou para o historial do que se estava a passar e tentou precaver-se”, refere. Celso Neto lembra, que a organização familiar e a vida social dos angolanos dificultam o combate à doença. Além disso, fatores religiosos e alguns mitos são um entrave ao olhar científico sobre a doença: “Tem-se tentado clarificar as coisas para que as pessoas tenham consciência do problema”, afirma. Apesar de todas as precauções e de sentir confiança nas medidas tomadas, tem receio de que possam existir casos de Covid-19 em Angola ainda encobertos e que a doença possa alastrar.
David Silva reside em Garoua, nos Camarões há dois anos, ao serviço da Mota Engil, depois de ter passado pelo Congo e pela Argélia.
Apesar de no Norte dos Camarões não existir nenhum caso de Covid-19, partilha da preocupação “global” gerada pela pandemia. Com o pai de 79 anos em Lousada, onde também reside a irmã, liga para Portugal todos os dias para falar com ele e acalmar a inquietude em que vive.
42 °C dos Camarões podem ajudar a combater o vírus

Os Camarões registam apenas casos de Covid-19 na capital, todos importados. David Silva adotou todas as medidas restritivas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde, seguidas também por todos os funcionários da Mota Engil, “o que implicou mudanças de hábitos e comportamentos”. Este lousadense está bem consciente de que, se houver em África um contágio, será catastrófico, pela questão cultural, pela forma como vivem as pessoas, que dificulta o isolamento. Acredita, no entanto, que os 42 °C da região onde vive são uma vantagem na luta contra o vírus.
Apesar de ser a terceira maior cidade do país, Garoua é uma cidade pequena, onde predomina a agricultura e falta tudo, incluindo hospitais. A única vantagem da população é a experiência na luta contra doenças contagiosas, como a malária e febre-amarela.
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