A natureza continua ao ritmo das estações, alheia à pandemia. Mas a máquina encrava quando o escoamento dos produtos que a natureza nos fornece se torna difícil. Assim acontece com as vinhas. Manuel Oliveira é engenheiro agrónomo e conhece bem a realidade. É produtor de vinho e técnico na Agros. Esteve à conversa com O Louzadense para nos falar destas duas áreas.
Como têm reagido à pandemia os setores de atividade a que está ligado?
A reação tem sido de apreensão. As pessoas tiveram cuidado em triar aqueles que vêm de fora, principalmente vendedores e pessoas que circulam por várias explorações. Esta é uma pandemia que pode entrar na exploração de cada um. É este setor que mantém a população alimentada, não tem sábados, não tem domingos, não tem lay-offs, não há teletrabalho, tem de se alimentar os animais… O setor tem-se ajustado realmente a esta realidade que assolou o país. Temos alguns casos em algumas áreas onde parou do comércio e as pessoas ficaram com os produtos em casa. Dou o caso das queijarias, por exemplo, que estavam vocacionadas para a restauração. Fechou tudo e as pessoas tiveram de deitar o leite fora. Há alguns setores que sentiram mais na pele, há outros que continuam a trabalhar com o pé atrás, mas confiantes de que vai passar. Vamos ficando bem.
Como está a produção de leite?
Todos os produtores têm, nas suas explorações um dístico da parte da DGS. Dentro de portas, anotam todas as entradas de pessoas na exploração. Se houver um caso positivo, conseguimos ir atrás e desencadear mecanismos de alerta para explorações vizinhas. Há muitos intervenientes, que passam por todas as explorações, veterinários, inseminadores, todos os vendedores associados ao ramo… Aceitaram perfeitamente.
Se houver um caso de Covid, já não entra qualquer pessoa na exploração. E nós, quando vamos lá, levamos viseiras, luvas, máscaras e temos todos os cuidados. O lema é não levar e também não trazer o vírus. Mal saímos da exploração retiramos tudo e temos todos os cuidados.
Quando o vírus surgiu em Lousada, eu estive 14 dias em casa em teletrabalho. A partir daí voltei ao serviço com todos os cuidados.
Não está em causa a segurança…
Em relação aos produtores, não há uma relação direta com o leite. Há segurança alimentar. O leite que está a ser colocado nas prateleiras não tem qualquer problema. Não relaxaremos. O leite é de qualidade. Rastreamo-lo e é analisado antes de entrar na Latogal, é um ótimo leite. E nacional!
Sobre a produção de vinho, o que espera do futuro?
Em relação ao vinho, o futuro não é tão risonho, por algumas razões. Nós tivemos um boom do Vinho Verde, na exportação, como também aconteceu em relação ao turismo. Há uma relação direta entre muitos serviços.
Muitos, na restauração, estabeleceram-se por conta própria porque o turismo mantinha muitas portas abertas. Em relação ao Vinho Verde, tínhamos esse problema: em 8, 15 dias começaram a desaparecer muitos turistas do país e desapareceu a exportação, em parte. Em 2018, 50% da produção foi toda vendida para o exterior. Tínhamos o mercado alemão pela quantidade e o mercado americano pelo preço como mercados tentadores para os quais valia a pena exportar. As cadeias de comércio cortaram-se. Agora, já abriram, mas estivemos meses parados. Há feiras onde se fazem grandes negócios, que não se fizeram. Todos esses contactos se quebraram. Até a máquina da exportação voltar a olear-se, vai haver aqui algum vinho que vai ficar nas adegas.
Há aqui uma possibilidade para algumas delas, que é destilar. Hoje toda a gente anda na bolsa com um gel desinfetante. Podemos extrair o álcool… Pode haver aqui um ajuste para podermos escoar os produtos, porque eu conheço colegas que têm a produção toda dentro de portas, e não têm onde colocar a nova campanha que ainda há de vir. Empresas com 100, 200 mil litros, e empresas com outra amplitude não sei se irão receber aquilo que costumavam receber em anos interiores, por exemplo em uvas. Já me soou que o preço pode ir para metade.
Em relação ao Vinho Verde, está uma grande incógnita. É uma pena, pois são vinhos de qualidade, que deveriam ser apreciados. Conheço casos que não receberam um cêntimo da produção do ano passado, com pessoas assalariadas. Depois, temos este ano atípico. Já temos 4 a 5 tratamentos, o S. Pedro Também não ajuda muito… A médio prazo, podemos ter aqui um problema, que pode ser temporário. As pessoas têm de ser resilientes. O setor vai-se manter com maior ou menor dificuldade. Dizia um produtor que vai dando para um caldinho de nabiças! No imediato, onde é que nós vamos escoar vinhos de qualidade que estão nas adegas? É uma pena.
Há apoio estatal?
As grandes empresas até têm capacidade de estocagem, para os pequenos produtores é que é um grande problema. Também não têm possibilidade de ir à banca. Quando as receitas são poucas, é difícil acautelar estas situações. As grandes empresas alugam um armazém por uns meses. É lógico que a campanha que aí vem não irá pagar a preços correntes deste ano que passou. E ainda pior: aquelas pessoas que entregaram as uvas e que estão à espera de receber, com o corte da cadeia, sem a venda de uma garrafa de vinho, não recebem o dinheiro. Não é fácil!
Os agricultores são rijos e não desistem à primeira dificuldade. A nova campanha vai ser uma boa campanha, vamos dar a volta por cima.
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