Passaram mais de 10 meses desde que foi imposto, pela primeira vez, o regime obrigatório de teletrabalho. O objetivo é, tal como em março, travar o aumento exponencial de casos de covid-19. No entanto, este regime pode não ser benéfico para todos e está a criar algumas dificuldades e anseios aos encarregados de educação.
O apoio aos pais, criado quando encerraram as escolas, só cobre 66% da remuneração base e exclui quem está em teletrabalho. O apoio abrange os pais com crianças até aos 12 anos. Que alternativas restam a quem tem de conciliar o teletrabalho com o cuidado às crianças?
Maria do Céu Rocha, 39 anos, é Técnica Superior de Orientação, no Agrupamento de Escolas de Lousada, em particular de adultos, no Centro Qualifica, e, desde março, “não tem sido muito fácil gerir a organização, porque, por norma, fica tudo definido e temos metodologias já implementadas, sendo que é acrescido o facto de os filhos terem ficado em casa. O meu público alvo, habitualmente, tem disponibilidade no horário pós-laboral e passou a ter também, na sua maioria, disponibilidade durante o horário laboral”, afirma.
“As pessoas passaram a ter mais disponibilidade para trabalhar connosco, ainda que, à distância, daí que o meu dia-a-dia fique mais absorvido pelo meu público alvo. E aquelas situações de trabalho que íamos adiantando e nos concentrávamos à noite com os formandos, agora estão diluídas durante o dia. O grande problema desta situação, é que me sento às 9 horas em frente ao computador e desligo às 23”, testemunha.
Ao trabalho, acresce a vida familiar, com dois filhos menores a seu cargo. “Eles tiveram de gerir o seu próprio tempo, com o auxílio possível da minha parte, nas suas tarefas escolares. Creio que agora está mais fácil, porque este tempo deu para as pessoas se organizarem de outro modo. As escolas começaram a ter estratégias definidas de ensino à distância, em termos de tarefas, deu tempo para as pessoas refletirem sobre aquilo que correu menos bem e sobre aquilo que deveriam fazer agora melhor”, comenta.

A adaptação às novas metodologias de trabalho, não foi “muito fácil”, menciona, “até porque os meus filhos vivem muito juntos, faziam muitas atividades juntos. Pertencem a anos de escolaridade diferentes, cada um teve de ocupar o seu espaço, para ter as suas respetivas aulas, o telefone sempre a tocar, mais os emails que chegavam. Chegava ao final do dia e ia verificar as tarefas que eles tinham de enviar, porque o que aconteceu é que o ensino foi muito em modo assíncrono, ou seja, tinham muitas tarefas para desenvolver autonomamente e depois teriam de enviar”.
“Deixei de ter tempo para fazer aquilo que gostava, como fazer uma caminhada, exercício físico, mais as tarefas domésticas, porque é fácil desligarmos quando saímos de casa, mas em casa não dá para desligar.”
O tempo acabava por não ser suficiente para dar resposta a tudo. “Deixei de ter tempo para fazer aquilo que gostava, como fazer uma caminhada, exercício físico, mais as tarefas domésticas, porque é fácil desligarmos quando saímos de casa, mas em casa não dá para desligar. Era a sensação de que o tempo não chegava para tudo, mesmo estando em casa”, testemunha.
Agora, acredita, está tudo mais claro e “fácil para gerir os tempos”. As circunstâncias obrigaram as crianças a manter uma relação com as tecnologias. “O mais novo nunca foi muito de ligar às tecnologias, com esta fase do ensino à distância, ele usava o meu computador. Naquele momento em que ele tinha aquelas duas aulas por semana, eu tinha de parar o meu trabalho, caso fosse necessário o uso do computador, para ele poder ter a aula”, relata.
“Percebo que eles vão ficar muito melhores preparados em termos de consulta, de pesquisa, de escrever textos. A vantagem no meio disto tudo, se é que há alguma, é a capacidade de adaptação às tecnologias”, assegura.
Teletrabalho marcado por efeitos negativos
Stress, ansiedade e frustração podem ser adjetivos bem conhecidos de quem mantém o teletrabalho. Alguns estudos, têm provado que o impacto do teletrabalho na saúde mental é real e que obriga a uma atenção redobrada para quem está nessa situação de teletrabalho e por parte de quem gere.
Mais de metade dos trabalhadores portugueses (54%) estão expostos a riscos para a saúde mental no local de trabalho, um aumento de 17,2 pontos percentuais desde o último estudo sobre o tema realizado em 2013, segundo afirmam os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE)
Destaca-se a insegurança no emprego, a falta de comunicação ou de cooperação interna na organização, a violência ou ameaça de violência no trabalho e, ainda, a falta de autonomia. De acordo com o INE, as mulheres são ligeiramente mais expostas a estes riscos (54,8%) do que os homens (53,3%), com maior destaque para a faixa etária entre os 35 aos 54 anos.
“A parte mais difícil foi em março, seguindo-se abril, e, a partir daí, tive de perceber como ia gerir o meu trabalho e como ia gerir o meu trabalho e gerir os meninos. Claro que fico com medo do futuro, em termos de preparação. Primeiro quis organizar-me e sou uma pessoa que sinto muita necessidade de contacto com os outros, gosto de estar em permanente contacto, e não foi muito fácil de repente ficar em quatro paredes”, indica.
“Não tenho nada que quebre a minha rotina da semana para o fim-de-semana, não noto diferença. E isso faz-nos lançar numa rotina que nos deixa muitas vezes desmotivados e sem a alegria de fazer algo diferente.”
O medo constante de que alguém “traga o vírus para casa” e “ficarmos arredados de todas as nossas relações, porque o telefone não é a mesma coisa”, lamenta. “Deixamos de poder passear, de conhecer sítios diferentes, de fazer algo diferente. Não tenho nada que quebre a minha rotina da semana para o fim-de-semana, não noto diferença. E isso faz-nos lançar numa rotina que nos deixa muitas vezes desmotivados e sem a alegria de fazer algo diferente”, alerta.
Por outro lado, tem consciência “de que os meus filhos enfrentam isto de outra maneira e, em termos emocionais, não vai ter repercussões, fortes pelos menos, porque eles se têm um ao outro. Disse muitas vezes que seria muito difícil eu, que estava a trabalhar, se tivesse um filho único em casa, que não tivesse com quem conviver, com falar, com quem partilhar jogos, porque muitas crianças devem-se ver sozinhas dentro de quatro paredes com adultos que têm de trabalhar”.
“Quando se tem um filho de 12 anos que é autónomo, estamos em casa e é apenas vigilância. Quando são mais pequeninos, é necessária uma presença mais constante. Penso muitas vezes nos pais que têm filhos no 1.º ano, que estão a aprender a ler e a escrever, não são autónomos. Acaba por ser necessário, constantemente, a supervisão de um adulto. Em termos de remuneração, a pessoa recebe o salário por completo, mas percebo que a pessoa fique completamente desgastada, porque tem as suas obrigações profissionais e não pode acompanhar os filhos do mesmo modo”, explana.
Mas é possível ser mãe e trabalhadora ao mesmo tempo? Maria do Céu Rocha não tem dúvidas: “não me imaginaria de outro modo. Para ser boa mãe, preciso de me sentir realizada. Procuro estar o pouco tempo com eles e gosto muito de aliar o papel de mãe ao de profissional”, termina.
Comentários