Por José Carlos Carvalheiras
Maria Eugénia Fernandes foi pela generalidade das pessoas tratada pelo diminutivo “Geninha”. Era filha de Sebastião Pereira Fernandes, proprietário de uma sapataria, e de Adelaide da Cunha Fernandes, a qual é ainda nos dias que correm recordada pela sua enorme bondade e solidariedade para com os mais necessitados.
A Geninha foi a dona da «Papelaria Fernandes», o único local de venda de livros e jornais em Louzada durante décadas. Situava-se na esquina da praça do município, tendo convivido paredes-meias com a Farmácia Ribeiro, que existiu onde abriu originalmente a «Confeitaria Colmeia», entre o largo do Município e o largo da Esperança.
Até meados dos anos 80 do século passado, aquele exíguo estabelecimento de livraria e papelaria era local de chegada e partida de informação e de tertúlia, sobretudo com os professores como protagonistas. A proprietária era conhecida como «a Geninha». Pessoa afável, toda ela era carinho para quem a acarinhava. “Era uma pessoa despretensiosa, cordial e educada”, recorda Rui Magalhães, “mas não deixava de ser direta nem escondia os seus sentimentos, fossem bons ou maus”.
Eram umas mãos rugosas as dela, manchadas pelo tempo, mas suaves e delicadas, próprias de uma senhora de livraria. É um dos pormenores mais recordados pelos petizes da altura. Entre eles o seu afilhado, Rui Sebastião Fernandes, chama a atenção para o facto de “pouca gente tão discreta e tão confinada a pouca coisa na sua vida deixou tanto impacto numa sociedade como a Geninha”. Não se lhe conheciam dotes invulgares para ações avultadas, nem artes especiais que a destacassem. Simplesmente notabilizou-se pela sua candura e acutilância, por vezes mordaz, e por tornar notável o seu exemplarmente único metier de papelaria.
Esse recanto era ponto de encontro das gentes das artes e das letras em geral mas, sobretudo, dos professores. Um deles, António Ildefonso dos Santos, que nas décadas de 1970 e parte de 1980 foi Delegado Escolar, referia que “a Geninha e o seu estabelecimento eram o elo de ligação das gentes da cultura e da informação”. “Era uma espécie de central de notícias de Louzada e do mundo, pois era o único sítio onde se comprava jornais e onde arribavam os passageiros das carreiras de Vila Real, de Felgueiras, do Porto, e outros locais distantes”, recordava aquele saudoso docente.
“Eu e a minha esposa éramos presenças habituais na papelaria, assim como os Srs. Campos Neto e Ernesto Costa Veloso, que era quem tratava da escrita corrente do negócio da Geninha”, contou o Prof. Santos
Embora não tendo presenciado tal faceta, António Ildefonso dos Santos disse em entrevista realizada em 1980 que era frequente ouvir-se elogios “aos desempenhos que a Geninha teve como atriz nas peças de teatro de revista que foram apresentadas em Louzada pelo Prof. Albano Morais e pela Dona Palmira Meireles”.
Recordava Luís Ângelo Fernandes, num escrito publicado no Jornal de Louzada de 26 de Agosto de 2006: “(…)parar nos semáforos junto à Câmara permite esse breve, mas prodigioso, exercício: suspender o quotidiano e atrasar o relógio da história, evocando um conjunto de figuras da sociedade Louzadense de há três ou quatro décadas atrás, todas, infelizmente, já desaparecidas, que ocupavam, com as suas atividades, o que costumamos designar agora por «Prédio da Colmeia».
Na esquina, a Geninha, com a sua papelaria, a única da Vila, que, aos domingos, fechava a porta e abria uma janela, de onde vendia os jornais.
As pessoas levantavam-se cedo e saboreavam a leitura até à hora da Missa das 11, celebrada pelo Padre Sousa, no Senhor dos Aflitos. Eu, alinhando no ritual, comprava «O Primeiro de Janeiro», pelo qual aprendera a ler, a partir das letras do cabeçalho e da secção “Casos do Dia”, do nome do fundador, Gaspar Ferreira Baltar, e do Director, Manuel Pinto de Azevedo Júnior.
A certa altura do ano, vinha um suplemento, o «Calendário do Matulinho», repleto de provérbios e histórias, poemas e ilustrações, que eu devorava num ápice. O «Janeiro» e o «Jornal de Louzada» eram já inseparáveis companhias (…)”.
A Geninha faleceu no Dia de Todos os Santos, em 1993.
Nota – Este texto foi adaptado do original publicado em 2011 no primeiro volume d’Os Louzadenses.
Muitos jornais e livrinhos de cordel comprei (o dinheiro de jovem estudante não dava para mais…) ali, onde era já um sítio em que me sentia bem entrar. E mal assomava à porta já a Geninha estava a sorrir para mim. Isso enquanto esperava a camioneta para a Longra, no regresso diário a casa, após as aulas no externato Eça de Querós. Ela já sabia que eu não era de Lousada mas adorava Lousada, sabia que eu gostava dos livrinhos da coleção Ídolos do Despreto e mal saía um novo avisava-me logo, bem como tinha sempre guardado para mim O Norte Desportivo à segunda-feira, no fim das aulas (a edição que era publicada aos domingos de tarde), mais o jornal das quintas-feiras, em tempos de periódicos desportivos apenas duas vezes por semana. E aquando dos períodos de férias (em que eu pedia ao meu amigo senhor Sousa, porteiro do Eça, se a avisava que ia estar algum tempo sem lá passar), logo que eu regressava às aulas, me dizia que já me esperava. Enfim, era uma senhora a que me sentia afeiçoado e de quem sempre gostei muito.
Armando Pinto (Longra-Felgueiras)