Louzadenses com Alma – por José Carlos Carvalheiras
António Fernando de Sousa Cunha nasceu a 22 de março de 1946, em Santa Eulália da Ordem (Lousada), onde era conhecido por Moreira, apelido que lhe foi atribuído devido à sua velocidade na corrida e que fazia lembrar Delfim Moreira, atleta do FC Porto que viria a ser recordista nacional da Maratona em 1981. Fernando foi o décimo primeiro filho de Antero Cunha e Maria da Glória, com quem morou até aos 19 anos de idade, quando foi cumprir o serviço militar obrigatório em Tomar, antes de ir para a guerra colonial.
Seguindo os passos do seu pai, que tocava tuba, e de outros elementos da sua família paterna, com oito anos ingressou na Banda de Música de Lousada, onde aprendeu a tocar trompete e, mais tarde, fliscorne. O amor que nutria pela música fê-lo tocar não só na Banda de Lousada, mas também nas de Freamunde, Paços de Ferreira e Felgueiras, onde os seus solos eram bastante elogiados.
Em maio de 1968 partiu para Moçambique, onde esteve durante dois anos, na Companhia 2358. Aquando da sua partida para Tembué, decidiu levar consigo o seu fliscorne (um instrumento da família dos trompetes), instrumento que ia proporcionando momentos de alegria e descontração no meio do caos da Guerra Colonial. Numa noite chuvosa, a companhia do cabo Cunha acordou com o estrondo de uma bazzookada, seguida de rajadas de metralhadoras, do inimigo. As tropas nativas conheciam pormenorizadamente o terreno e estavam prontas para atacar, fazendo com que os soldados portugueses tivessem de procurar refúgio nas valas de abrigo. O medo era muito e já havia feridos, mas onde há medo, há coragem e, no meio de tanta lástima, alguém disse ao Cunha “Eh pá, devias ter trazido o fliscorne, agora tocavas umas modinhas”. Depois de desafiado, António Fernando Cunha foi a rastejar até à sua tenda, no meio do tiroteio, para ir buscar o instrumento. Depois de regressar ao abrigo, ganhou fôlego e começou a tocar o Paso Doble, música conhecida por anunciar a entrada do touro na arena. Inesperadamente, com o toque desta peça, os atacantes abandonaram o terreno, deixando para trás muito material, presumivelmente por se terem assustado. Durante anos, seus colegas agradeceram-lhe o ato de coragem, que lhes salvou a vida e dizem, brincando, que “o Cunha nem tocava nada mal!”.
Após 2 anos atribulados, o regresso esperava-se mais tranquilo. No entanto, já a caminho de Portugal, a bordo do famoso Vera Cruz, este foi atingido por duas ondas sísmicas, que desfizeram a proa de aço do navio e, segundo os presentes, “aquilo parecia o fim do mundo”. O paquete não tinha condições para terminar a viagem, pelo que tiveram de voltar atrás para fazer a sua manutenção.
Em dezembro de 1970, já tendo cumprido definitivamente o serviço militar, casou-se com Maria Carolina Duarte Pacheco, que morava em Pias (Lousada). Mudaram-se para Cristelos, onde mais tarde abriram uma loja. Do casamento nasceram os dois filhos, Susana e Hélder, e dois netos, Carolina e Rodrigo.
A 1 de março de 1971, António Cunha tornou-se Bombeiro Sapador no Batalhão de Bombeiros Sapadores do Porto, onde exerceu funções até 1996. Durante o seu serviço, recebeu inúmeros louvores pelas funções desempenhadas como cabo-sapador. Chefiou umas das mais nobres tradições do Batalhão, a fanfarra da Unidade e destacou-se como Clarim, tendo sido muitas vezes responsável pelo toque nas Honras de Estado a Entidades Nacionais e Internacionais, que o distinguiram publicamente pela excelente qualidade da execução musical, destacando-se o reconhecimento pelo General Ramalho Eanes, Presidente da República de então. Ainda hoje, os Toques de Ordem Unida no Batalhão de Sapadores Bombeiros do Porto são gravações deixadas por António Fernando Cunha.
Como homem dedicado à causa do associativismo e cidadania, foi ensaiador da Fanfarra de Boim, à qual o seu irmão Nuno também pertencia. Foi, ainda, durante largos anos Secretário da Junta de Freguesia de Pias, local onde fixou residência a partir de 1988.
Homem de fé, António Cunha, dedicou-se à Igreja de Pias, tendo sido catequista, membro da Comissão Fabriqueira e do Secretariado da Catequese, Ministro Extraordinário da Comunhão e Ensaiador do Grupo Coral.
Uma vez que se aposentou cedo, aproveitou a vontade de ajudar para estar sempre presente para a família e para os amigos, marcando a vida de todos com quem se cruzou.
Partiu no dia 11 de novembro de 2021, após uma curta, mas intensa luta contra o cancro, deixando todos com muita saudade da sua presença, humildade, solidariedade e perseverança.
Nota – Um obrigado pelo contributo extraordinário para esta publicação de Carolina Oliveira, que está na fotografia com o seu avô Fernando Cunha, no Estádio do Dragão, no Porto.

O camarada é amigo Ferbabdo Cunha era um ser humano extraordinário. Deixou saudades nos camaradas da CCac 2358 que serviu em Tete, Moz., de 1968 a 1970.