por | 9 Nov, 2022 | Louzadense com Alma

Amílcar Abílio Leite Neto, O Comandante

Nasceu em 9 de Dezembro de 1932, numa casa da Rua de Santo António (onde atualmente está instalada a “Mercearia do Eurico”). A Vila desse tempo vivia entusiasticamente a fundação da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Lousada, fruto da necessidade e do bairrismo das gentes locais. Dessa Corporação haveria de ser um notável comandante. Amílcar Neto foi um devoto da causa pública, nomeadamente no Município, onde se destacou como um presidente de consensos e harmonia.

O seu pai foi um destacado lousadense do século XX, chamado Paulino Pereira Neto, natural de Lousada, que explorava um comércio de ferragens e drogaria no rés-do-chão de sua casa. Era um negócio familiar, que herdou de seus pais, António da Silva Neto e Josefina Reis, que em finais do século XIX fundaram uma mercearia e drogaria na esquina da rua Palmira Meireles com o Pelourinho. 

A mãe de Amílcar chamava-se Albina Soares da Costa Leite. Era natural de Vale de Cambra, mas residia há alguns anos em Paços de Ferreira, onde tinha uma fábrica de lacticínios, mudando-se para Lousada após o casamento. D. Albina era perita em produtos pasteurizados e a sua especialidade era a manteiga, que foi famosa na primeira metade do século XX.

Além de Amílcar, este casal teve mais três filhos: José Neto Pereira Leite, Maria Albertina Leite Neto e Maria Josefina Leite Neto.

O futebol era o seu desporto preferido. Os primeiros pontapés na bola deu-os ao fundo da sua rua, no Campo da Feira. Muitas vezes o prazer de jogar à bola com os amigos era mais forte que o trabalho na drogaria ou na oficina. Como a maioria dos pais, Paulino Neto saía à rua de varinha na mão, zangado pela prolongada ausência do filho, que se encontrava a correr atrás da bola, a transpirar, de rosto corado, naqueles jogos de “muda aos 5 e acaba aos 10”. Na rua ganhou arcaboiço e técnica, tornando-se num futebolista ambidextro, pois chutava com ambos os pés, um facto que era raro. Singrou na Académica Lousadense, equipa que era constituída por estudantes do Colégio e daria origem à ADL, em 1948.

Também marcou passagem pelo teatro de revista. Participou na comédia “Lousada na Ribalta”, de António Gorgel, e integrou o elenco de atores da peça de Palmira Meireles intitulada “Pardais da Avenida”.

PASSAGENS POR ANGOLA E ÍNDIA 

Em 1951, assomado pela “euforia” do ultramar, embarcou para Angola. Foi com um vasto grupo de lousadenses, entre os quais Antero Moreira, Joaquim Maria Fernandes, Alberto Alves e Pimenta “Taxista”. Ao fim de dezoito meses a laborar nas ferragens e drogaria de Mendes Valadas, na capital angolana, foi chamado ao Continente para prestar provas de inspeção militar. E já não voltou a África.

Decorria o ano de 1955, em cujo dia 22 do mês de Abril foi pedida em casamento “pelo Exmº Sr. Dr. Abílio Alves Moreira e sua Exmª esposa, Sra. D. Maria do Carmo Pilão Moreira, a Exmª Menina Maria Emília Bessa Pacheco, filha de D. Emília da Conceição Freire de Bessa Pacheco e do Sr. José Pacheco, para o seu afilhado e nosso amigo Sr. Amílcar Abílio Leite Neto, filho da Snrª D. Albina Soares da Costa Leite Neto e do Snr. Paulino Pereira Neto”, conforme reza uma crónica do Jornal de Lousada da época.

Quando os planos já tinham dado lugar aos primeiros preparativos, eis que estes tiveram que ser cancelados, pois foi mobilizado para integrar o contingente militar português na Índia.

EMPENHADO NA CAUSA PÚBLICA

Regressou a Lousada, a 24 de Junho de 1957 e o casamento realizou-se, com pompa e circunstância, em 27 de Outubro de 1957. Inicialmente, foram viver para Eidos Novos, onde o casal se manteve até 1960, ano em que se estabeleceram na vila. Tiveram três filhos: Graça Maria, Rui e Jorge Pacheco Neto. Estes já proporcionaram cinco netos: Patrícia Filomena, Maria Inês, Maria Susana, Ana Rita e Nuno.

Foi um exemplar chefe de família, comerciante honrado à frente da drogaria fundada pelo seu pai, a sua terra Natal viu também amadurecer um homem que fez jus ao ditado que diz que “quem sai aos seus não degenera”. Como seu pai e outros antepassados, participou na vida associativa e institucional lousadense com espírito solidário e abnegado.

Nos Bombeiros, chegou rapidamente ao mais alto posto da Corporação, onde se manteve durante quase 40 anos; na Câmara Municipal esteve como vereador e presidente durante 27 anos; foi presidente do Conselho Fiscal da Associação Comercial de Lousada entre 1994 e 2000; desempenhou igual cargo em duas entidades centenárias de Lousada, a Santa Casa da Misericórdia, entre 1982 e 1985, e a Assembleia Lousadense, entre 1995 e 1997; foi o primeiro presidente da Assembleia Geral da Associação de Cultura Musical de Lousada, em 1975, tendo também desempenhado funções no Conselho Fiscal, em 1977 e 1978; foi presidente da Assembleia Geral da Associação Desportiva de Lousada desde 1972 e 1979, com um interregno em 1974/75, época em que foi presidente da Direção.

SEMPRE PRONTO PARA AJUDAR 

Amílcar Neto foi admitido como bombeiro da Corporação lousadense a 1 de Julho de 1961 e uma semana depois foi promovido a Comandante do Corpo Activo dos Bombeiros Voluntários de Lousada. O primeiro comandante, em 1930, foi o Tenente Eurico Malafaia, de Penafiel. Seguiu-se Manuel Malheiro de Guedes Sousa Magalhães, em 1934. Em 1945 o cargo passou a ser desempenhado por Alfredo Mota e em 1949 foi a vez do distinto médico lousadense Dr. Fernando Fonseca, antecessor de Amílcar Neto.

No desempenho das funções de “soldado da paz” Amílcar Neto salvou muitas vidas, direta e indiretamente. A sua primeira ação inesquecível aconteceu em Silvares, no ano de 1963. Os bombeiros foram socorrer um lavrador que tinha caído a um poço. Os sinais vitais da vítima eram já bastante ténues quando os socorristas chegaram, mas Amílcar Neto reanimou homem, com massagens cardíacas e respiração boca-a-boca, acabando por o restituir à vida.

Mas se salvou muitas vidas, também colocou a sua em risco. Num socorro prestado na Serração Amorim, no Inverno de 1964, Amílcar Neto saiu para o tremendo frio que se fazia sentir, quando padecia de uma febre de 38,5 graus. Em consequência disso, sofreu uma ligeira paralisia cerebral que deixou mossas na sua saúde.

PRESIDENTE CONCILIADOR

Entrou para o Executivo da Câmara Municipal de Lousada, em 1962, retirando-se da vida autárquica 27 anos depois, em 1989. A estreia sucedeu no mandato de Joaquim Burmester de Abreu Malheiro, da Casa da Costilha, tendo assumido vários pelouros entre 1962 e 1968. A versatilidade e boa vontade permitiam-lhe acolher vários pelouros. No mandato seguinte integrou o elenco chefiado pelo advogado Dr. Adelino Carvalho de Andrade. Foi um mandato cumprido entre 1969 e 1973, que antecedeu o do Professor António Ildefonso dos Santos, que ficou pela metade devido à revolução de 25 de Abril de 1974.

As acrisoladas qualidades de Amílcar Neto no relacionamento interpessoal sobressaíram em prol da instituição e dos lousadenses nos complicados anos de 1970 e 80. Com uma paciência e um humanismo muito próprios, alicerçados numa voz peculiarmente grave e cândida, era seu costume apontar o caminho da razão e da moderação nos difíceis tempos de implantação da democracia e do desenvolvimento económico e social.

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