Uma vida baseada no trabalho, na família e na fé
Chama-se Margarida Freire Bessa, mas em Macieira é conhecida por Guidinha Moreira. Nasceu em Eidos Novos – Pias e ali viveu até aos 17 anos, quando casou com Joaquim Moreira Machado, de Macieira, para onde foi viver. Fez 100 anos de idade no passado dia 14. Sobe e desce escadas com a ligeireza de quem tem menos 50 anos e fala da sua vida com uma lucidez admirável. O que mais ressalta nestes 100 anos é a dedicação à comunidade.
Quando chegamos, com o seu filho José Carlos Bessa Machado, a Guidinha Moreira não se encontrava na habitação. Tinha ido ao jardim tratar de algo, disse a filha Fernanda, que vive com ela. Apercebendo-se da chegada de visitas, a senhora centenária subiu uma vintena de degraus num ápice. Além da agilidade física demonstra um espírito jovial que transparece no riso, nos gestos e nas palavras. Talvez esse sentido positivo seja uma das causas da sua longevidade. Para ela a explicação é outra.
“A vida é o que Deus quiser e pronto”, diz com a prontidão de quem acredita que os 100 anos se devem a Ele e à Senhora de Fátima, de quem é grande devota e que visita quase todos os anos. A fé e a religião estiveram sempre consigo e atesta que “só por grande impedimento é que não vou à missa de domingo”.
O trabalho também foi uma base importante, desde a infância. “Trabalhei na secção de colagem da tamancaria do meu pai, nos Eidos Novos, depois passei para o escritório”, numa indústria que foi muito importante para Lousada durante décadas, primeiro por iniciativa do seu fundador, José Ribeiro de Bessa e depois pelos sucessores, irmãos de Margarida.
Ao longo da entrevista mostra-se quase sempre afável e risonha. Há, contudo, algo que lhe entristece as feições: os pobres. Dedicou-se a ajudar os mais necessitados através dos Vicentinos de Macieira e por sua própria iniciativa. “Vi muita gente passar mal. Hoje em dia é tudo muito mais fácil, há mais trabalho, mais maneiras de ganhar a vida. Antigamente não era assim. Por exemplo, depois da Grande Guerra, o milho estava racionado e não se podia comprar livremente. Por isso os lavradores vinham trazer às escondidas, era moído e fazíamos pão que distribuíamos pelos pobres”, conta a dona Guidinha Moreira.
Ajudou raparigas, através do ensino de artes e ofícios, que aprendeu com a mestra Elvira da Cunha Barros, mais conhecida por Virinha, “que dava aulas em sua casa, ao fundo da rua dos Bombeiros, onde se fazia a feira do gado naquele tempo, há 80 anos. Foi com ela que aprendi a ler e escrever e os ofícios de rendas, bordados e malhas”, que mais tarde ensinou a outros.

GOSTA DE VER O TELEJORNAL
“A nossa casa parecia uma oficina de artes e ofícios, onde vinha a mocidade da freguesia, para aprender a fazer o enxoval”, recorda José Carlos, um dos quatro filhos da aniversariante. Além deste e da já referida Fernanda, a vetusta senhora teve também António e Álvaro, falecidos muito precocemente. O patriarca da família, Joaquim Moreira Machado, faleceu cedo, com 56 anos, devido a complicações diabéticas. Era de uma família de feirantes e alfaiates, mas ficou bastante conhecido e estimado em Lousada por causa dos automóveis. Teve uma sociedade de táxis e uma oficina de mecânica (na rua Visconde de Alentém).
Margarida nunca teve uma doença grave, a não ser um problema de vesícula, que levou à sua extração. Dos hábitos alimentares conta que a carne de porco sempre fez parte da alimentação. “Uma tradição cá de casa durante muitos anos foi a matança do porco. A carne de vaca não entrava cá em casa porque o meu marido não gostava”, revela e acrescenta que gosta de vinho caseiro. Não liga muito ao vinho de Porto. “Em criança já bebia. Quando tinha 6 ou 7 anos, a minha mãe prometeu-me um carro de dar corda (que era coisa muito rara na altura) se eu deixasse de beber durante um ano. E eu deixei e ganhei o carro”.
O seu dia a dia é perfeitamente normal. “Vai comigo às compras de quinze em quinze dias e percorre os corredores e as prateleiras à procura de coisas que lhe possam interessar”, afirma a filha. Também vê o Telejornal, quase todos os dias. “Gosto de estar a par do que se passa. Mas a minha filha não liga muito. Diz que aquilo tudo tem pouco de verdade”, revela a idosa, que também vê uma ou outra telenovela e gosta de fazer zaping: “quando não gosto ou não percebo, mudo para outro canal”.
Bem haja, minha SENHORA, pelo que fez e pelo que faz!
Eternamente gratos!