por | 20 Jan, 2022 | Cultura

A Igreja de São Vicente de Boim

A paróquia de Boim: breve enquadramento histórico e arquitetónico

Uma das referências mais antigas à freguesia de Boim regista-se nas Inquirições de 1258, mandadas realizar pelo rei D. Afonso III. Por esta época, o direito de padroado da igreja de Sancti Vincencii de Goym era partilhado entre os herdeiros de D. Guiomar Mendes de Sousa e o mosteiro de Santo Tirso de Riba d’Ave, dependendo a apresentação do pároco da confirmação do bispo do Porto. Uma das prerrogativas mais simbólicas dos padroeiros consistia, precisamente, na escolha do clérigo para a igreja, cujo título dependia do estatuto e dignidade da paróquia. O casamento de D. Guiomar com João Pires da Maia propiciou a alienação de bens, entre os quais, o direito de padroado de Boim, em favor do cenóbio beneditino de Santo Tirso, generosamente dotado, durante a Idade Média, pela sua família patronal, os da Maia.

Em 1542, o Censual da Mitra do Porto já referia a igreja de Boim como anexa de uma vigararia do mosteiro de Santo Tirso. No último quartel do século XVI, a igreja de Boim era filial da capela de Santa Maria Madalena do mosteiro de Santo Tirso, ou seja, da comunidade secular, cujo vigário apresentava o cura de Boim. Por esta época, durante um período de quase 25 anos, o curato anual de Boim foi transformado em vigararia perpétua, situação que provocou um longo litígio. Em 1581, o vigário de Santa Maria Madalena, com a aquiescência do vigário capitular do Porto, alcança a transformação do curato anual de Boim em vigararia perpétua, para a qual, posteriormente, apresentou como pároco o seu tio Gaspar Lourenço. O mosteiro, isto é, a comunidade religiosa, reage e acaba por conseguir repor, parcialmente, a situação anterior, através de uma sentença do provisor da Sé do Porto de 7 de Março de 1606, já após a morte do padre Gaspar Lourenço. Boim voltava a ser um curato, mas agora na dependência da comunidade religiosa do mosteiro de Santo Tirso.

Igreja  de São Vicente de Boim: análise arquitetónica

A igreja paroquial de São Vicente de Boim, tanto pelas suas características formais, como pelo património móvel e retabular que integra, evidencia as alterações de ordem estética e exibe memórias cristalizadas ao longo dos últimos séculos.

A análise exterior deste templo surpreende com um jogo de volumes que cria, no seu todo, um conjunto muito interessante e invulgar. Das formas mais recuadas, que nos remetem para os padrões da arquitetura do século XVI, apenas restam alguns elementos da fachada principal. Os restantes corpos que formam a igreja já nos reportam para a arquitetura dos séculos XVII e XVIII.

Ao longo dos tempos, a igreja de São Vicente de Boim sofreu inúmeras alterações na sua estrutura arquitetónica. Da maior parte dessas sucessivas intervenções sobreviveram alguns registos documentais que, juntamente com a análise arquitetónica e da estrutura das paredes, permite determinar cronologias aproximadas para os diferentes momentos de construção.

A fachada principal conserva o mais percetível vestígio da construção erguida na primeira metade do século XVI, com o seu grande portal de arco redondo, composto por altas e largas aduelas e ombreiras de esquina chanfrada com arranques floridos. A empena, interrompida no vértice superior, mantém o registo onde esteve primitivamente apoiado um pequeno campanário. A fachada não apresentava qualquer vão, conferindo ao conjunto uma perceção de robustez e austeridade muito característica. Contudo, no decorrer dos trabalhos de requalificação detetou-se a existência de uma janela tapada. Foi decidido desobstruir este vão, devolvendo-se à fachada o seu aspeto original.

Ao corpo da nave quinhentista foram acrescentados dois volumes em momentos distintos. O primeiro a ser construído foi o corpo do lado norte, originalmente edificado para albergar uma capela com a invocação do Senhor dos Desamparados, que ficou concluída em 1758. Este acrescento transformou substancialmente a organização volumétrica da igreja e viria a desencadear a construção de um outro volume, do lado oposto, voltado a sul, cujas obras se iniciaram em 1777. Este novo volume foi erguido com o intuito de conferir maior dignidade à capela do Senhor dos Desamparados, entretanto designada capela do Santíssimo, através da definição de uma nave e de uma área mais ampla de assembleia para as missas celebradas no seu altar. Provavelmente em simultâneo foi levantado um campanário, apoiado à parede oeste, composto por duas sineiras, eliminando-se a sineira que existia sobre a empena da fachada.

Também a capela-mor foi alvo de profunda remodelação no século XVIII, denotando tratar-se de uma obra executada de raiz. Na capela-mor destacam-se dois silhares que servem de suporte a duas epígrafes medievais, formalmente enquadráveis entre os finais do século XIII e o início do século XIV. Estes elementos, apesar de separados e, ao que tudo indica, truncados, poderão corresponder a uma inscrição memorativa relacionada com a construção/reconstrução e sagração da igreja medieval que aqui existiu.

No interior, a igreja guarda três magníficos retábulos e estatuária de grande valor artístico.

A capela-mor alberga um retábulo maneirista, tardio e de transição para o barroco. Este retábulo era dividido em três corpos, sendo o primeiro definido por uma mesa de altar, que acompanha a estrutura retabular. A sua decoração é bastante simplificada, sobressaindo um friso ornamentado por motivos vegetalistas e geométricos. O segundo registo do altar é definido ao centro pela figura de São Jorge, sobre um pedestal, e lateralmente por dois painéis pintados sobre madeira, onde estão representados São Bento e Santo Escolástica, afirmando a ligação da igreja com a Ordem de São Bento.

O retábulo do Santíssimo Sacramento é uma obra de talha dourada rocaille, já da segunda metade do século XVIII, encomendado ao entalhador bracarense José Pereira Veloso por contrato celebrado a 27 de Setembro de 1765. No interior da tribuna repousa a imagem de um Cristo Crucificado, o Senhor dos Desamparado.

No espaço da nave, um retábulo colateral de feição maneirista alberga a imagem de São Vicente, que, no âmbito das obras de restauro, viu a sua policromia original restaurada, recuperando a sua beleza escultórica e pictórica original. Uma apreciável imagem de Santo António, datável do século XVII, que permaneceu recolhida na sacristia, merece destaque, pelos traços fisionómicos do santo e pela sua composição formal, com o Menino vestido e sentado sobre o livro.

Sugestões de Leitura:

CARDOSO, C. e SOUSA, L. (2011) – “Dois documentos epigráficos medievais inéditos da igreja de Boim (Lousada). Revista Municipal. N.º 87. Municipal.

SILVA, E. e CARDOSO, C. (2010) – “A igreja de São Vicente de Boim”. Revista Lousada: Câmara Municipal. N.º 79. Lousada: Câmara Municipal.SOUSA, L. e CARDOSO, C. (2015) – “São Vicente de Boim em 1758: memória paroquial, toponímia e património.” Revista Municipal. N.º 135. Lousada: Câmara Municipal.

Por Cristiano Cardoso, técnico da CML

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